A sociedade do cansaço: o excesso de liberdade que aprisiona

 

Estamos vivendo o que os especialistas chamam de Pós-Modernidade: diluem-se as estruturas que antes eram os fundamentos de uma sociedade de controle e ordem social: rigidez de escola e religião, a supremacia do cristianismo no Ocidente, relacionamentos tradicionais (casamentos por conveniência, por exemplo) e outras "cartilhas" de como viver uma vida exemplar e relativamente segura, ou melhor, decente. Hoje, temos excesso de liberdade, mas, de maneira paradoxal, vivemos à deriva da insegurança: é a sociedade do cansaço.

Antes da sociedade do cansaço, na Modernidade, lá pela metade do século XX, as coisas eram mais simples. Não havia tanta informação - o que é algo positivo, em especial o que a Internet nos proporcionou, embora tenha ela seu lado negativo, como toda tecnologia - e alternativas, e não havia, principalmente, a coerção de escolher sua própria identidade dentre tantas possíveis. Ela já era ensinada desde cedo e desenvolvida com o passar do tempo. O resto, era na surdina. 

Então, o que temos? O filósofo coreano Byung-Chun Han tem uma série de livros com teorias inovadoras sobre nossa dinâmica e - convenhamos - confusa sociedade. As coisas são controversas. Mais liberdade, mais diversão, mais possibilidades, mas mais tristeza, depressão, ansiedade e stress? Ele fala de uma sociedade em que as pessoas precisam ser hiperativas - daí a sociedade do cansaço - e as coisas se tornam "mais indeterminadas, mais permeáveis, e perdem certo teor de decisibilidade"; "tudo está junto com tudo". É a sociedade do desempenho (Han), que esgota as pessoas.

Ah, estamos cansados... 

Cansados de tanta liberdade, de tantas possibilidades, de tanta coisa que está ruindo e renascendo constantemente! Somos seres que, no fundo, por mais libertários que pareçam, em alguns casos, necessitam de alguma segurança, estabilidade, crenças, direção, propósito de vida. "O homem como um todo se transforma em uma máquina de desempenho" (Han). Não como o maquinismo de Charles Chaplin em "Tempos modernos", o célebre filme do esgotamento dos operários: é o homem não mais mecânico, que, ao contrário, tem de decidir o tempo inteiro, se multiplicar, de modo que o peso do eu se desloca para o mundo, projetamo-nos para o outro, o que é um cansaço - pense na exposição das redes sociais, só para começar.

Se você acha que "liberdade é pouco, o que eu desejo não tem nome", como Clarice Lispector, acertou. É insuficiente. Liberdade excessiva e desorientada é tão nociva quanto a coerção, ou até mais. O que fazer? Aonde ir? Quem ser? Tudo muda toda hora, se liquefaz, estamos em plena Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman. Nada, a priori, dura muito - exceto os extremismos, que não param de crescer, como forma de defesa de uma identidade própria difícil de ser encontrada nos dias de hoje.

Nietzsche cita: "Por falta de repouso nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim [deve-se] fortalecer em grande medida o elemento contemplativo". E olha que Nietzsche não viveu a Pós-Modernidade! Mas ele sabia para onde caminhávamos, conheceu o elemento humano que forma o elemento social.

Contemple. Descanse. Olhe mais devagar. Olhe duas vezes. Reflita, o que é diferente de pensar demais e acumular ideias que se tornam formigas corroendo o cérebro. Aprenda a solitude, a virtude de estar só, porque você vai precisar nesta sociedade que tende ao isolamento mesmo na multidão. Queremos descansar... o corpo, a mente, o coração, a alma. 

Acredite. Ninguém realmente consegue viver por muito tempo, com saúde e sanidade total, em uma roda-gigante desgovernada. Sabemos o que a sociedade atual exige: cada vez mais qualificação, competitividade, presença, exposição. Mas, mesmo assim: descanse. Aí entra sua resiliência, sua capacidade de fazer escolhas, de dizer "não" mesmo querendo dizer "sim", sua ilha no caos. 

O mundo corre a milhão. Por milhões. É a sociedade do consumo, e consumo fugaz. A pandemia nos assusta. A sociedade está ainda mais cansada, talvez perplexa. Esse cansaço, seu e meu, pode estar camuflado, até que se mostre de uma forma incontrolável. A mesma sociedade saudável, dos veganos e adeptos do low-carb e complementos nutricionais (apesar dos agrotóxicos), dos esportistas e dos que buscam autoconhecimento e desenvolvimento pessoal, é a sociedade do cansaço. 

Como disse Clarice Lispector, mais uma vez ela, "a direção é mais importante que a velocidade". Em tempo: descansar não é parar, nem jogar tudo para o alto, nem desistir. Descansar é manejar o tempo e reconhecer seus próprios limites. Sua direção. Antes da velocidade.

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