Os discursos de ódio de um povo que odeia demais

Fonte: Divulgação


Impressionam as crescentes amostras de ódio, intolerância e violência verbal, além de ameaça de violência física, nas redes sociais em nosso país


Estou lendo um livro muito interessante, que, aliás, indico: O discurso de ódio em redes sociais, baseado em uma dissertação de Mestrado, de Marco Aurelio Moura. Esse livro tem me mostrado vários pontos de vista, teóricos e práticos, sobre o tema do discurso de ódio, tão pertinente à nossa Era Digital.

Veja bem, o ódio sempre existiu, como a intolerância, os preconceitos, o egocentrismo, a xenofobia: tudo isso deu origem a todas as guerras e conflitos, e à grande maioria dos crimes cometidos em todo o mundo. Mas é inegável que as redes potencializaram as oportunidades para propagar o discurso de ódio através da escrita, da fala e de imagens, muitas delas são os tais dos memes - figuras de sátiras em relação a alguém e/ou a algum fato, muito comuns no ciberespaço brasileiro. 

Por que estamos com tanto ódio? Não fomos, um dia, o povo cordial de Sérgio Buarque de Holanda?

É claro que essa pandemia, que nos deixou no epicentro da morte no mundo, ao menos por Covid, tem seu papel. Mas já era algo guardado. O lado bom é ver o ódio sendo combatido, através da união de comunidades e pessoas, de minorias ou simpatizantes a elas; o lado ruim é que esse combate ao ódio, muitas vezes, ocorre com o próprio ódio. 

O outro aspecto deplorável do discurso de ódio é que nem sempre ele precisa ter um motivo, ao menos claro, senão a inveja - e não existe "inveja branca" - ou a competitividade, que não deixa de ser um tipo de inveja, não calcada na raiva como a inveja pura de um indivíduo ou classe de indivíduos, mas em ser e ter mais do que o outro é, e que de preferência o outro não tenha nada.

Não preciso ter visitado todos os países do mundo, ou vários deles, embora tenha amigos estrangeiros - brasileiros que imigraram ou nativos de outros continentes - para perceber que, em especial no Brasil, o ódio se enraíza e sufoca as pessoas - e suas redes sociais - com cada vez mais força. É alimentado pela crise econômica do Covid, a crise política da tomada de poder pela Extrema Direita, em contestação à Extrema Esquerda, os "comunistas" contra os "fascistas", como disse Leandro Karnal no título de um livro seu: "Todos contra todos". 

Isso é preocupante. Cada vez sente-se mais medo de expor uma ideia ou um sentimento, principalmente nas redes sociais, devido a um possível discurso de ódio contrário. Mesmo quando não se teve qualquer intenção de provocar ou menosprezar ou difamar algo ou alguém. Ou, ao contrário, as pessoas se sentem impelidas a "despejar todo o seu ódio", suas frustrações pós-modernas, direcionando a ira e a intolerância aos outros, dizendo-se ao mesmo tempo vítimas delas. 

Tudo o que se entende é: ódio. A Psicanálise sabe bem que o ser humano costuma ver nos outros o que não aceita em si mesmo, então tende a combater o ódio que sente sobre si no outro que o odeia, ou nem odeia, mas ele acha que odeia. 

Como contornar tudo isso? 

Uma sociedade tão plural como o Brasil, construída sobre a matança de índios e escravos, explorada pelos europeus, não poderia ter um presente diferente. Até hoje é colônia de estrangeiros em muitos aspectos. Estamos com os nervos à flor da pele. Tudo é ofensa. Tudo é processo. Tudo é difamação. 

Na área do Direito, há uma problemática importante sobre o que é difamação ou calúnia e o que é liberdade de expressão. Esses dias, uma ré foi absolvida por falar que o cabelo de uma afrodescendente (muitos não aceitam mais a expressão "negra") parecia um bombril. Alegou-se liberdade de expressão.

Quais os limites entre essa tal liberdade de expressão que está na Constituição e o preconceito a ser penalizado, o ódio criminoso? Fala-se, na Constituição, em respeito a qualquer gênero, classe, raça etc., mas ainda há leis específicas sobre homofobia, discriminação a mulheres e outras divergências. Agora, como alegar que tal comentário teve realmente intenção de difamar, e mais, difamar por causa de ódio a um grupo de pessoas, a uma minoria? Difícil costurar essas incongruências às vezes, quando não são óbvias.

Apenas peço que pensemos no assunto: quem tem discurso de ódio, tem ódio em seu coração. O livro de Provérbios fala que "a palavra branda desvia o furor", na Bíblia, o livro mais sábio do mundo. Não se combate ódio com ódio, isso é certo, é como combater fogo jogando gasolina. Só que, ao mesmo tempo, é necessário combater os preconceitos e o ódio que realmente existem. A questão é como isso deve ser realizado, utilizando-se de embasamento legal sólido e não do ódio contra o ódio.

Para terminar, esta semana fui - ao menos me senti - vítima de uma pessoa muito famosa, que se diz espiritualizada, muito simpática, humorista, porque, com um de meus perfis, retuitei uma notícia sobre outra pessoa famosa e comentei o que achava do caso, que apontava divergências com o que era conhecido publicamente; ela simplesmente tachou de fake news e me disse: "Teu c*, imbecil!", seguindo uma explicação em que denotava ser a dona da verdade. Discordei? Mencionei a falta de educação. Fez o óbvio: me bloqueou, não houve tolerância. 

É esse tipo de pessoa que se orgulha e bate no peito ao dizer que luta contra preconceitos? Que tipo de pessoa tem um acesso de ira desses, senão uma pessoa com ódio no coração? 

Não digo que não sofro desse problema, todos nós sofremos, em diferentes graus, com a ira e a intolerância, mas o segredo é controlar o que dizemos e como dizemos. E aceitar opiniões diferentes. Vi que tudo o que um grupo julga diverso do que pensa é imediatamente nomeado como fake news e vira chacota. A população não pesquisa, não vai atrás dos fatos, só vê seu lado, o brasileiro não quer aprender a ser tolerante porque é mais confortável se esconder atrás de um grupo, em geral vítima do ódio, que odeia conjuntamente e assim segue o fluxo.

Desejo uma boa semana a todos, e que trabalhemos a nossa ira, nossa intolerância, nosso preconceito, muitas vezes imperceptível até para nós mesmos, embora nem sempre verdadeiro, sob os olhos de alguém que vê as coisas com ódio. O ódio ao outro pode provir de profundas frustrações pessoais, é o que indica a Psiquiatria. 

"Somos todos irmãos, braços dados ou não." Não vale a pena sempre ter razão, mas ter paz com si mesma(o) e com os outros, na medida do possível, como aconselha o apóstolo Paulo na Bíblia Sagrada.

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