A necessidade do voyeurismo pós-moderno: por que ser visto o tempo todo?

 

Fonte: Divulgação

Em meu mais recente artigo, tangenciei e até comentei um pouco mais a fundo a época que vivemos. Guy Debord, já nos anos 1990, chamava-a de Era do Espetáculo. Nessa concepção, cada pequeno acontecimento ou ação do cotidiano, cada ato e a vida das pessoas se tornam um espetáculo a ser observado e aplaudido. 

Se no filme "O show de Truman", de 1998, com Jim Carrey como protagonista, a personagem não gostou e ficou assustado ao descobrir estar sendo filmado e vigiado 24h por dia, para deleite de uma plateia gigantesca, hoje, 95% de nós agradeceríamos tanta atenção!

Ao mesmo tempo, vivemos a Era da Imagem, em que essa imagem - fotos e vídeos - prevalecem sobre o texto. Não que o texto em suas variadas formas, como a Literatura e as notícias, tenha perdido audiência - não de forma significativa. E, por fim, vivemos a Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman, em que tudo se liquefaz rapidamente, o que é criado e mostrado - uma imagem, uma foto, um vídeo, um ato e até uma relacionamento - tende a logo ser esquecido, substituindo-se por outro conteúdo que "segure a audiência", esteja na "moda" e evidencie o autor ou protagonista de forma narcisística e, muitas vezes, doentia. 

Em 2021, a maioria de nós - há algum tempo - adora o voyeruismo, ser observado(a). Claro, apenas as partes "recortadas" e editadas da nossa vida, daí a "liberdade" magnífica que as redes sociais e a Internet em geral nos dão. Podemos escolher quem os outros vão enxergar em nós, atraindo um voyeurismo capaz de impulsionar, continuamente, nossa egolatria social. Porém, nem sempre conseguimos as curtidas, visualizações e resultados que esperamos. Queremos sempre mais - essa é nossa natureza humana, nesse quesito, nunca tão notória. 

Tal fenômeno de mostrar quem se é - ou quem se deseja ser, principalmente - nas redes sociais, de forma glamlourizada, é uma pandemia, em especial no Brasil e nos Estados Unidos. O Brasil é um dos países em que mais as pessoas utilizam redes sociais, com mais frequência, destacando-se Facebook, Instagram, YouTube, WhatsApp, LinkedIn e Twitter. Gostamos de ser olhados(as), ou melhor, admirados(as), temos uma concorrência gigantesca que "incomoda" quase sempre, a inveja e a ira nunca tiveram tantos adeptos - na intersecção de imagens e textos das redes sociais. 

Mas por que, afinal, precisamos ser admirados, acompanhados e "aplaudidos" com curtidas e comentários? Ao mesmo tempo, convivemos com os "haters" - principalmente influenciadores digitais, aqueles que alfinetam nosso ego, e daí decorrem muitas brigas, discussões e até processos judiciais. 

É fato que estamos mais narcisísticos, em geral, e, paradoxalmente, mais solitários. Mais agressivos, egocêntricos, as coisas nunca bastam, e são tantas coisas! Isso tudo nos leva à exaustão, a uma "sociedade do cansaço" (CHUL-HAN, 2021), que visa à maximização do ser humano, como se fôssemos máquinas buscando o máximo desempenho. Os resultados são o burnout - excesso de trabalho e informação -, frustrações geralmente secretas, uma vida dentro de uma tela, e não fora dela, personas que precisamos sempre alimentar para uma plateia que precisa cada vez mais aumentar.  

Este é um texto reflexivo e filosófico. Para alguns, "encheção de linguiça". Porém, saiba que, graças a este contexto todo, nunca tivemos tantos casos de suicídio, depressão, ansiedade, doenças emocionais que levam a doenças físicas, insatisfação, fúria, incompreensão, cobiça. É só olhar para o brasileiro médio: aliado ao desgoverno e à crise econômica, está insatisfeito, ressabiado, cada vez mais fechado em sua concha - exceto nas redes sociais. 

Quero deixar a você o refrão de uma música da banda Capital Inicial, para os que se identificam ou não com o que expus neste artigo: "O que você faz quando ninguém te vê fazendo?". É isso o que você é de verdade. 

O grande mal do narcisimo, que produz inveja, cobiça, competição muitas vezes repleta de ódio, exaustão e uma vida "encapsulada" em uma tela digital, é que nada nunca basta. Só por um instante. Queremos sempre mais, estamos sempre insatisfeitos, em uma "corrida" por notoriedade. Isso ocorrerá até que aprendamos a ser felizes simplesmente com nossa solitude, que é a virtude da solidão, esta inerente a todos nós. Solidão é comum, solitude é algo a ser alcançado: conviver bem com si mesmo(a), seu interior, paz interior, não ter a necessidade de provar nada a ninguém - se você for religioso(a), no máximo a Deus, que tem o(a) julga por direito. 

Quem é você? Você mudou, está mudando? 

Não esqueça suas raízes, seus valores, e, se está tudo confuso, e você acabou se tornando um(a) "semideus(a)" - eles nunca estão satisfeitos, no fim das contas -, repense-se. É bom dividir nosso dia a dia, o que fazemos, ajudar as pessoas com informações e conselhos, criar comunidades e amizades, mas não se esqueça: nunca deixe a humildade e a paz de espírito lhe serem roubadas por um voyeurismo doentio e hostil.  

O que mais importa na sua vida é o que você vê no espelho e sente em seu coração. A felicidade sempre dependerá de nossas escolhas, de nosso interior, não apenas do exterior. Seja feliz por dentro, e não terá tanta necessidade de mostrar que é feliz aos outros, nem que tem sempre razão!

Bom resto de semana! Fiquem com Deus, ou ao menos tenham fé e atitude positiva real!

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