Estamos tão cheios de razão

 

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Da série "estamos tão...". 

Além de estarmos muito sós hoje em dia, e de estarmos tristes, ainda que não tenhamos muito tempo - propositalmente ou não - para "saborear" essa tristeza, na verdade confrontá-la, estamos tão cheios de razão, não é mesmo?

Nas redes sociais, então... Se você discorda de mim e de minha horda, "te cancelo", te exponho, te humilho. Prego liberdade de expressão e de ser, mas, se alguém me contraria e/ou ao meu grupo, estou com oito pedras na mão - quatro já são pouco. Sou dona(o) da razão, mas digo que respeito sua opinião. 

Isso se estende, é claro, e ao mesmo tempo advém do que ocorre fora das telas - é um tipo de simbiose, uma mútua influência. Hoje, é certo que o narcisismo impera na maioria de nós, e não se restringe ao físico, mas, e muito, à intelectualidade, o que se desdobra em situações terríveis de bullying e ódio.

Gosto desta frase: "Quanto mais sei, mais sei o quanto não sei". Não me lembro qual filósofo a disse ou escreveu (devo ser cancelada? sou meio burra? não pesquiso o suficiente para fazer minha coluna?). Sinceramente, não importa. O que tenho tomado como bússola para minha vida é a humildade. Inclui a humildade de aprender ou de ensinar sem desprezar o aprendiz. 

Sim, falta-nos humildade, enquanto só falam em ser f***, resiliência, jogo duro, você é capaz, esteja à frente. É evidente que todos nós queremos ser bem-sucedidos no que fazemos, temos sonhos, e de fato precisamos de resiliência, essa palavra tão em voga, e indispensável, assim como força, foco e fé, para ser clichê. Mas pouco se fala na verdadeira humildade - não aquela postiça, disfarçada, voltada à obtenção de objetivos ou a formar uma imagem, virtual e/ou real, empática.

Sabe, acho que estamos ficando parecidos com nossas tão amadas máquinas: pensamos em desempenho, eficiência e razão, mas nós não somos máquinas! Somos um sistema humano com corpo, alma e espírito.

E, olha, humildade não é modéstia, que é diminuição. Humildade não é algo que se precise propalar por aí, ela é feita de comportamento, de fala, é notada e não avisada. Não é fraqueza, aliás, quanta força para ser humilde, simples e, sim, empática(o)! Para não ter que ter sempre razão, ou provar que tem razão, para não humilhar quem não concorda com nossa opinião. Já vi pessoas famosas, algumas nem tanto, completamente desprovidas de humildade. E, como sabemos pela Lei da Vida e pelas Escrituras Sagradas, "a arrogância precede a queda", o orgulho é o começo da ruína, nunca falha, ainda que você não veja, pois as pessoas gostam de disfarces, ainda que eles sufoquem seu delicado ego.

Nesta pandemia, muita gente "saiu do armário". Não no sentido de se assumir homossexual, pan, bi, trans, o que for, mas se assumir, se mostrar, as máscaras cobriram nosso rosto e desnudaram nosso coração. Não estou generalizando. Mas vi muito disso acontecer. Além da pandemia, a crise política, econômica, as disputas de direitos por minorias, a corrupção, e o já citado narcisismo doentio, tudo em uma sociedade líquida, em que tudo parece descartável e frágil, ainda que queira se projetar como o oposto disso. 

Muita gente não entende o que é humildade, e considera um defeito ou algo parecido. Eu sei. Mas, observe como as pessoas mais bem-sucedidas em sua maioria são extremamente humildes! Ainda que cometam seus erros. O arrogante fica pelo caminho, e, mesmo quando chega ao pico, dolorosa é sua queda! 

Ser humilde é ser para os outros, estender a mão, ajudar, ensinar sem soberba, sobretudo aprender, sempre aprender, não julgar - o que é diferente de ter uma opinião respeitosa, prefererencialmente pautada em conhecimento, experiência e na verdade que vem do coração de cada um de nós. 

Espero que, um dia, descubramos que "só os humildes são realmente grandes", e mais lhes importa ser úteis e aprender que ser grandes! Não é fácil, mas é simples. E que ninguém se engane, o simples dá trabalho, parafraseando Clarice Verdades Secretas Lispector.

Lembro-me do Gustavo do programa BBB atual, um típico dono da razão, "excelente manipulador de votos (pessoas)" como se autodenominou, e me perdoe quem se atrai por personalidades dominantes e pedantes. Logo que chegou, chamou sua colega de programa (aqui não importa o motivo, mas a atitude do rapaz) de "platinha", fechando a porta na cara dela. Venceu o viking, e depois seu sorrisinho friamente calculado resolveu tudo, e sua aparência atraente aliada a uma combinação de afeto amoroso bem formulado e força calcada em prepotência. É um bom exemplo do que muitos de nós nos tornamos, ou perigamos nos tornar, nesta selva da Era da Imagem pós-capitalista. Era de semideuses, mas semideuses são bons demais para aprender e não ter razão.

Até mais!

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