Elaine dos Santos, Gaúcha, natural da cidade de Restinga Seca, filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos (in memoriam). Professora, graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestre e doutora em Estudos Literários pelo Programa de Pós-graduação em Letras da mesma universidade. Pesquisadora, professora de ensino médio e ensino superior, atuando, preferencialmente, com a disciplina de Literatura. Foi coordenadora do Curso de Letras e de Projetos Sociais da Ulbra, campus Cachoeira do Sul, e banca de avaliação das redações do vestibular da UFSM. Cronista, com participação em diversas antologias, considera-se uma apaixonada pela sua terra natal e suas histórias.
Revista Projeto AutoEstima: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Elaine dos Santos: Eu sou graduada em Letras pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM), ingressei no curso considerando-me uma apaixonada pelo
ensino de gramática da língua portuguesa e, no terceiro semestre, já era
pesquisadora inscrita no CNPq, realizando estudos sobre literatura produzida no
Rio Grande do Sul. Desde então, passei a produzir artigos científicos com
análises sobre obras literárias diversas. Em 2001, tornei-me mestre em estudos
literários e, em 2013, doutora na mesma área.
Na maturidade – eu diria que essa tendência acentuou-se nos últimos dois anos -, adotei um viés mais lírico, mais intimista também. Talvez, seja a percepção da finitude, tão cara aos poetas barrocos.
Revista Projeto AutoEstima: Você é autora do livro "Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe". Comente.
Elaine dos Santos: O livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe é uma adaptação da minha tese de doutorado. Nasci e cresci numa pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, em que o acesso à arte – independente de qualquer critério de qualidade – era e é extremamente deficitário. Na minha infância, um teatro itinerante, um circo-teatro, esteve na cidade e isso foi um fato muito marcante. O meu pai incentivava demais a minha veia lúdica, frequentamos o teatro quase diariamente, vi peças dramáticas, cômicas, emocionei-me, ri e chorei, conheci um novo vocabulário e credito a essa – e, claro, outras tantas – experiência a minha escolha pela Literatura como profissão docente. No mestrado, escolhi a temática da literatura produzida no Rio Grande do Sul, mas o meu orientador, na conclusão da dissertação, alertou-me que o tema do doutorado deveria ser outro. Quando me preparei para o ingresso no doutorado, optei pelo estudo dos melodramas, as peças “de chorar”, representadas por aquele teatro da minha infância. Era o Teatro Serelepe, ponto de partida do livro. Analisei peças como “Honrarás nossa mãe”, “Maconha, o veneno verde”, “Deixem-me viver”, recompondo, a partir daí, a história do teatro desde a Grécia antiga, do circo de cavalinhos surgido na aristocrática Inglaterra, a importância dos circos e dos circo-teatros na disseminação da cultura em nosso país. Eu diria que o livro é uma ode, um canto de agradecimento, a artistas anônimos que, de cidade em cidade, levaram alegria, mas ensinaram Arte – em sua mais ampla acepção – em um tempo que a televisão e, muito mais, a internet eram desconhecidas da população.
Revista Projeto
AutoEstima: Como é o seu processo de criação? Quais são as suas inspirações?
Elaine dos Santos: Em geral, a motivação vem de algum fato cotidiano.
Mas eu tenho uma forte veia memorialista, até porque, tanto na dissertação de
mestrado quanto na tese de doutorado, eu pesquisei muito sobre memória de
velhos. Gosto muito de tematizar a história do meu município, Restinga Seca/RS,
situado na região central do Rio Grande do Sul. Sou legatária das histórias
contadas pelo meu pai, fatos pitorescos da própria cidade, costumes gauchescos.
A memória da minha mãe, de ascendência germânica, contribui nesse caudal de
memórias – mãe é sempre mãe e os seus ensinamentos pautam muitos dos meus
escritos.
Por ter sido professora de Literatura, uma vertente que gosto de explorar é a mitologia – geralmente, grega -, mas também a própria produção literária nacional, inserindo conceitos associados às escolas literárias e escritos de nossos autores consagrados.
Revista Projeto AutoEstima: Como foram as suas pesquisas e quanto tempo levou para concluir seu livro?
Elaine dos Santos: Na prática, eu comecei as minhas entrevistas, ainda que informais, em 2006. Os estudos mais teóricos iniciaram em 2008. Fiz a recolha dos textos das peças, identifiquei os seus principais elementos. Realizei pesquisas sobre a história do teatro – e é muito interessante pensar que o teatro nasce no meio rural, nas colheitas da uva e produção do vinho – e sobre a história do circo – que nasce aristocrático, o tradicional circo de cavalinhos, formado por cavaleiros egressos das fileiras que serviam à Rainha da Inglaterra. Em outros termos, a atualidade inverteu os conceitos de teatro e circo. Dediquei-me a ouvir os representantes mais velhos do Teatro Serelepe, registrar a sua história, resgatar fotos, memórias. Em 2013, a tese estava pronta e foi apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da UFSM. O texto “dormiu” durante seis anos, somente sendo publicado em livro no ano de 2019.
Revista Projeto
AutoEstima: Poderia destacar uma
frase que você acha especial no livro "Entre lágrimas e risos: as
representações do melodrama no teatro mambembe"?
Elaine dos Santos: A frase original é de Charles Chaplin, mas uma adaptação dela costumava ser repetida pelo atual palhaço Serelepe, Marcelo Benvenuto de Almeida, durante as minhas pesquisas: “Um dia sem riso é um dia perdido, profe”. A família Benvenuto de Almeida foi muito presente durante a pesquisa, ofereceram-me todo o suporte possível e é importante ressaltar que, no mesmo período, o meu pai convalescia de uma grave isquemia cerebral e eles não se furtaram a ajudar-me na atenção dada a ele.
Revista Projeto AutoEstima: Quais são suas leituras preferidas?
Elaine dos Santos: Em razão de ter trabalhado com pesquisa sobre
literatura produzida no Rio Grande do Sul durante nove anos, a minha tendência
é sempre me voltar para autores gaúchos. De todos, claro: Erico Verissimo em O
tempo e o vento (creio que devo ter lido O continente, primeiro
volume da trilogia, cerca de dez ou mais vezes, como professora que precisava
preparar aulas) e Incidente em Antares; mas incluo Simões Lopes Neto,
Cyro Martins, Dionélio Machado, Josué Guimarães. Dos demais, sou fã
incondicional de Graciliano Ramos, Lima Barreto e Gregório de Mattos Guerra.
No entanto, é preciso
acrescentar que sou revisora de textos acadêmicos – projetos, artigos,
dissertações e teses-, o que me faz gostar muito de ler pesquisas em andamento
ou já concluídas. Tenho muitos clientes (professores, mestrandos, doutorandos)
nas áreas de Arquitetura, Comunicação, Direito, Educação, Educação Matemática, Filosofia,
Geografia de diversas universidades do país de estados como Acre, Alagoas,
Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná e, claro, Rio Grande do
Sul. Essas leituras colocam-me a par do que se passa no meio universitário,
permitem-me contato com pesquisadores, ampliam o meu leque de conhecimento e
aumentam a minha interação com diversos ramos do saber.
Revista Projeto
AutoEstima: Como analisa a questão da leitura no país?
Elaine dos Santos: Quando eu concluí a faculdade, era extremamente preconceituosa quanto ao que as pessoas liam e só admitia, particularmente, entre os meus alunos de ensino médio e curso superior, que lessem os textos clássicos. Já faz alguns anos que sou feliz quando alguém me conta que lê – desde que não sejam correntes de whatsapp ou postagens de redes sociais. Vamos muito mal em termos de leitura com algum conteúdo. Existe preguiça de ler. Há um vídeo do professor Clóvis Barros que circula, faz tempo, em que ele diz que é necessário brio para ler e aprender. Concordo integralmente, as pessoas não se desafiam mais, preferem informações compactadas em vídeos de 30 segundos, isso é lamentável.
Revista Projeto AutoEstima: Quais dicas daria aos autores em início de carreira?
Elaine dos Santos: A minha professora de português no ensino médio dizia: “escrevam, joguem fora, escrevam novamente sobre o mesmo tema, joguem fora, escrevam novamente, lá pelo décimo texto reescrito sobre o mesmo tema, comecem a lapidá-lo”. Eu creio que seja isso, um exercício constante de aprimoramento e qualificação. Insistência, melhoramento, submissão a críticas, reescrita. Publicação.
Revista Projeto AutoEstima: Como o leitor interessado deverá proceder para adquirir o seu livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?
Elaine dos Santos: Há uma resenha do livro, que foi avaliado pela
Professora Doutora Ermínia Silva, uma das maiores estudiosas do circo e do
circo-teatro no país, que se acha disponível em https://www.circonteudo.com/livraria/entre-lagrimas-e-risos-as-representacoes-do-melodrama-no-teatro-mambembe/
Eu mantenho o meu currículo
do sistema Lattes ainda ativo, ele está disponível em http://lattes.cnpq.br/9417981169683930
Os contatos para aquisição do
livro podem ser feitos por e-mail: e.kilian@gmail.com
Revista Projeto AutoEstima: Existem novos projetos em pauta?
Elaine dos Santos: Nos últimos tempos, eu tenho participado de diversas antologias/coletâneas, estou, além disso, reunindo material para um livro de crônicas, a ideia é publicar uma reunião de textos que fui escrevendo nos últimos 20 anos e saíram em jornais, também em redes sociais, textos memorialistas. Nada ainda definido. Estou trabalhando na biografia de uma pessoa da minha comunidade, com quem tive uma relação muito fraternal e tenho material bastante adiantado para a escrita ou reescrita da História do meu município (eis um projeto mais a longo prazo).
Perguntas rápidas:
Um livro: Vidas secas, Graciliano Ramos
Um hobby: Como revisora de textos, eu trabalho, em geral, das
5h às 22h, de domingo a domingo (trabalho sob demanda, conforme os interesses
dos pesquisadores), o meu hobby e o meu principal trabalho são a leitura
Um (a) autor (a): Graciliano Ramos
Um ator ou atriz: Lima Duarte / Glória Pires
Um filme: Há dois clássicos que ainda me seduzem “E o vento
levou”, pelo seu cunho histórico, e “Star Wars”, pelo seu tom futurista: eu era
uma adolescente quando o filme foi lançado e aquele mundo quase mágico
encantava-me (inclua-se aqui: “O império contra-ataca e “O retorno de Jedi”)
Uma cor favorita: Marrom
Uma recordação em especial: Ela não é, nem de longe, uma linda recordação, mas, naquele domingo, primeiro de maio de 1994, há três palavras que ainda ecoam na minha lembrança: “Senna bate forte”, era como se, ali, na curva Tamburello, em Ímola, um pouco de nós ficasse para sempre. Quando o repórter anunciou, por volta de 12h 50min, a morte de Airton Senna, eu não consegui chorar, fechei a casa, recolhi-me e fiz um luto que durou mais de sete dias, saía, estudava, trabalhava, mas havia uma falta. Há uma falta.
Revista Projeto
AutoEstima: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Elaine dos Santos: Temos vivido tempos extremamente difíceis. A truculência e o luto
afetam os nossos dias. Como pesquisadora, não gosto dos
achismos nossos de cada dia, situações em que as pessoas menosprezam estudos
sérios, conhecimentos acumulados pela humanidade durante séculos, em troca de
“eu acho” ou “é minha opinião”. Tenho uma fé inabalável na ciência, no
conhecimento humano e a leitura de obras literárias e textos acadêmicos, frutos
do esforço de cada um, só renova essa crença na ciência e no ser humano.
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