"A história das nossas vidas é a história das nossas perdas". E tudo bem.

 

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Recentemente o Brasil, e em especial a região Sul, perdeu aquele que eu considerava o melhor, mais sagaz, sarcástico, culto e inventivo, além de empático e simpático, cronista do Brasil: David Coimbra, aos 60 anos, 60 anos exatos a vida esperou para lhe levar; após quase 10 anos de uma luta árdua, mas sempre com um sorriso no rosto e sem dramatizações, contra um câncer no rim. E por que falo em David Coimbra (confira seus livros e crônicas)? Porque, uma vez, li uma frase em uma crônica sua que dizia: "A história das nossas vidas é a história das nossas perdas". E nunca esqueci.

Conforme o tempo passa, inevitavelmente vamos perdendo mais e mais pessoas. O Covid ceifou muitas delas precocemente, assim como várias doenças endêmicas no mundo ceifam todo dia, o que é pouco comentado (muitas advindas da pobreza material e sentimental): tuberculose ainda é a doença que mais mata no mundo, junto a HIV e pneumonia. Nunca estivemos tão rodeados de pessoas, por outro lado, e com tantos casos de ansiedade, depressão e suicídio. Estamos nos enganando com uma vida quase perfeita e digna dos aplausos e vigilância que, lá na época do filme O Show de Truman, era repudiada. Guy Debord (in memoriam) já nos anos 1990 chamou nosso tempo de A Era do Espetáculo.  

Mas eu falava de perdas. E o fato é que vamos ficando vazios, talvez frios, talvez à flor da pele, armamo-nos para não sucumbir com a fuga ou a impenetrabilidade. Porém, embora o tempo de fato amenize a dor, algumas perdas são irreparáveis, a dor nunca cessa, e cada dia é um dia único para recomeçar e conviver com o buraco, ou os buracos que se instalaram em nosso interior, que tiraram o viço do nosso exterior, ou tentam fazê-lo. 

Bebês nascem todo dia, pessoas morrem todo dia, é uma troca justa, já disseram. O mais importante é que ninguém sabe se estará aqui amanhã, ou depois de amanhã, moribundos sobrevivem até os 100 anos, pessoas saudáveis sofrem acidentes, ou têm imprevistos e morrem de repente. Então, como sempre é dito, mas pouco refletido em profundidade pela maioria - creio eu -, ame, demonstre que ama, mais com atos que com palavras - o melhor é quando as atitudes corroboram o que se fala. 

Porque o que vamos levar daqui é o carinho, o amor, o afeto, os bons momentos. Pessoas. Ou nossos pets, que dão sentido a muitas vidas e amenizam tantas dores de perdas humanas. E não estou falando em relegar sonhos - até mesmo materiais, como é comum - à insignificância. 

O ex-BBB Rodrigo Mussi declarou recentemente que, durante o estado de coma após seu acidente, conversou com Deus em um sonho. Os médicos disseram que ele acordava chorando desse "sonho". Mussi disse a Deus que tinha tudo, fama, amigos, o que quisesse. Então Deus lhe disse de forma direta, conta ele: "Amor. Você nunca teve um amor verdadeiro na sua vida". Então, Rodrigo Mussi voltou para ter amor verdadeiro, recebeu uma segunda oportunidade. Creia você em Deus ou não, o amor, em suas variadas formas, as conexões humanas, são a razão de estarmos aqui. De que adianta acumular riquezas e deixar para outros que sequer as merecem? 

Ainda temos esta oportunidade, de amar os que estão no nosso plano e ainda os que já foram, que vivem dentro de nós e jamais morrem de verdade. Não deixe para depois, "quando se vê já são seis horas", como no poema de Mário Quintana. Quando se vê já são sessenta, setenta, noventa anos. Ame-se, sim, em primeiro lugar, respeite-se em primeiro lugar, mas distribua todo esse amor a quem o aceitar, e mesmo àqueles que não conseguirem aceitar, deixe um sorriso, uma gentileza, quanta gente não ama porque não sabe o que é amor, não recebeu amor, ou a capacidade de amar lhes foi roubada. Se você não teve ou não tem amor, ainda assim ame. Amar é uma escolha.

Enfim, a história das nossas vidas é a história das nossas perdas, como cito no meu livro Reencontro, mas é principalmente a história dos nossos amores, dos nossos bons momentos, daqueles inesquecíveis, que lembraremos logo antes do último suspiro com um sorriso leve, o coração batendo um pouco mais forte em sua fraqueza. A história das nossas vidas é sobre amar e ser amado. Nada de perfeição, idealizações, deixe isso para a indústria midiática - que, sim, nos é necessária, a arte imita a vida, mas sobretudo existe para que a vida não nos destrua (Nietzsche). Apenas a tentativa de amar é válida, se de coração. 

Esteja ao lado de quem ama e de quem lhe ama. E, mais uma vez, não pense que quem já se foi dessa terra se acabou, ao menos na minha concepção: somos seres espirituais, e a vida terrena é só uma pequena passagem de um não tempo futuro. 

Preserve-se, mas não deixe o medo e o rancor serem maiores que os recomeços, as mudanças, a superação, a fé, o afeto, o amor. Orgulhe-se de seus esforços, mais do que de seus fracassos. Orgulhe-se de ter amor para dar em um mundo repleto de ódio e intolerância, hipocrisia e maldade.

E, se você está aqui, por mais inútil que possa se sentir, é porque deve estar. 

Qual seu propósito de vida? Quem são as pessoas que mais lhe importam? O que você pode mudar para ser melhor e fazer a diferença? Muitos passam a vida apenas como espectadores, outros, como protagonistas de um mundo, ainda que minimamente, melhor. A maneira de melhorar o mundo é basicamente amar, nas mil formas citadas por Machado de Assis. 

Boa semana! 

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