Bilhete de uma sexta-feira fria, algumas dúvidas e medo

  

Fonte: Divulgação

Quem acha que não tem dilemas, dúvidas, incompreensões (não compreender ou não ser compreendido(a)), fraquezas, "traumas" (alguns preferem "más lembranças"), medo, vergonha, angústia, tristezas inesperadas e talvez frequentes, vazios... Você conhece essa pessoa? Por favor, me apresente, gostaria de a conhecer e que ela me contasse seu segredo. Na verdade, prefiro que não me apresente, pois ela não existe, e, se acha que existe, tem uma percepção preocupante de si mesma. 

Hoje, nas redes sociais e relacionamentos em geral, querendo ou não, desejamos mostrar que (a) somos pessoas seguras, sensatas, bem-sucedidas, fortes, plenamente confiáveis, que têm muito a acrescentar, ainda que notadamente na parte sexual ou física; ou (b) pessoas machucadas, precisando de cura, fugidias, que resvalam em seu medo, seus dilemas e seu passado, porque o passado não é um botão vermelho de "DELETAR" que se aperte, escolhendo as piores partes, é claro, mantendo as melhores. Coração não tem botões. 

Nossos tempos atuais são chamados de "tempos líquidos" pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman (in memoriam), com sua coleção sobre modernidade líquida, amor líquido, tempos líquidos etc. Líquidos, instáveis, escorrem pelos dedos, coisas e pessoas, estamos no fundo assustados com tanta agitação, a Era Digital, o aqui e agora ou nunca mais, a quase obrigação de sustentar uma imagem admirada nas redes sociais, e de alimentar as redes com o que editamos da nossa vida - literalmente. São tempos mesmo assustadores, quem não se sente inseguro andando na corda bamba, ou na neblina da multiplicidade de identidades, possibilidades e da fugacidade pós-moderna?

Perdemo-nos tantas vezes. Ou fazemos questão de ignorar o que não podemos controlar, em uma soberba arriscada (que precede a queda, como ensina a vida).

Perdoem-nos. Perdoemos ao nosso medo, ao susto, à incompreensão, às tentativas frustradas de melhorar, perdoemos a nosso passado e presente, perdoemos nossa incapacidade de ser semideuses, como mencionou Fernando Pessoa - como ele, prefiro "gente", não entes em pedestais.

A pandemia piorou tudo. A concorrência, muitas vezes desleal, na área profissional e até pessoal. Tudo muda muito rápido, nós temos de nos reinventar sempre com o desafio de não perder nossa essência (qual é a sua, você sabe? Há pistas na infância) e nosso melhor. Nem sempre conseguimos. E tudo bem. Às vezes, dói pra p****, e tudo bem. 

Só quero lembrar, por fim, que o que damos ao mundo e às pessoas sempre volta pra nós, acredite nisso. Um dia, volta. Somos sementes, plantadas no ventre, devolvidas à terra. No intervalo entre o rompimento da placenta e a lápide, podemos ser sementes que ofereçam muito a um mundo cada vez mais indigno.  Basta querer, basta tentar, se esforçar, se perder e se encontrar, ninguém nunca disse que seria fácil, apenas o topo é visível aos outros; mas apenas você sabe tudo o que passou para chegar até o que hoje é, para ter sobrevivido e continuado, e tentar continuar melhorando, entre quedas e saltos monumentais. 

Hoje é sexta-feira de perdão. Quem não se perdoa, não pode perdoar a ninguém. Não pode amar de verdade, muito menos se amar.

Ter dúvidas e medo é normal. É humano. Aliás, presumo que seja o que de mais humano temos em nós, além da inerente capacidade de amar (e odiar). Não se desperdice nunca. Perdoe-se, ame-se e transmita esse amor enquanto houver tempo, que o tempo é traiçoeiro e incompreensível, ainda que presunçosos filósofos o tenham tentado explicar do ponto de vista humano. A não existência e o fim da existência terrena.

Amor é sempre a resposta, ainda que as perguntas sejam tantas em toda parte. 

Comentários