O que você tem da "velha criança que mora em você"?



Fonte: Divulgação

Atentando a livros, filmes, seriados e a outras artes, em especial as com roteiros magníficos ou marcantes, podemos notar algo frequente: a busca da infância perdida, e mais, daquela criança ou do que restou dela que ainda habita em nós. Há um fascínio por nosso estado de maior pureza, uma vida pela frente, nenhum sonho era impossível, a diversão era fácil, um beijinho no machucado sarava. E a gente não tinha de fingir tanto, mesmo quando estava triste. Nem sabia fazer isso. 

Sabemos que muitas pessoas tiveram uma infância terrível, física e/ou emocionalmente. Por isso mesmo, a infância pode deixar marcas tanto positiva quanto negativas em uma pessoa adulta; mas, me atrevo a afirmar de que sempre há, sim, uma saudade de quem éramos na infância. Nem que pela constatação do tempo que passou rápido demais, ou pelo acreditar fácil e idílico que se foi, o hábito de buscar diversão, de demonstrar alegria e tristeza, de não ter tantas regras (regras "de adulto") a seguir. E as amizades, tão simples e acolhedoras... Nossas raízes.

Neste contexto, aparecem, nos roteiros, notavelmente as figuras do pai e da mãe.

Ah, a infância, a mãe, o pai (ou um deles, ou quem nos criou), são "as meninas dos olhos" da Psicanálise, em especial a de Freud. Somos hoje o que somos, especialmente por quem fomos e o que vivemos na infância. Dizem que a personalidade do indivíduo se forma até por volta dos sete anos de idade, cientificamente. Não é exato, como nada na Medicina a não ser a fatídica morte em algum momento. Mas, quando crianças, estivemos formando o que seríamos o resto da vida, ao menos em partes.

Até a Bíblia Sagrada, nas palavras do próprio Jesus Cristo, afirma: "Deixai vir a mim os pequeninos (crianças), porque deles é o Reino dos Céus". Há outras menções a elas, em especial nos quatro Evangelhos: é necessária a fé e a entrega de uma criança para se ter acesso a Deus, nascer novamente e se tornar uma criança para ter fé. 

Tim Burton é um incrível e premiado cineasta que restaga muito a história - infeliz - com seu pai e sobre sua infância em suas obras. Hemingway, no livro que basicamente lhe deu o prêmio Novel de Literatura, "O velho e o mar", insiste no velho pescador Santiago que clama por seu amigo, um menininho, "ah, queria que ele estivese comigo aqui"; vê no menino ele próprio, o velho, quando não estava cansado e repleto de marcas. Em "O caçador de pipas", do médico-escritor Khaled Housseini, a infância é o grande tema, o resgate da infância, do pai, e uma amizade em especial. Virginia Woolf, a grande escritora dos Estados Unidos, tem considerada como sua melhor obra, por muitos especialistas "O Farol": trata exatamente  de quê? Suas memórias de infância com a mãe, o pai e os irmãos. E "Lés Misèrables" ("Os miseráveis"), de Victor Hugo, um dos maiores clássicos do mundo de todos os tempos, na literatura e no teatro, que fala tanto em uma infância corrompida... "Quando eu era jovem e não tinha medo (...) eu sonhava um sonho", a música-tema (cantada por Susan Boyle, que surpreendeu o mundo com seu talento contrastando com uma aparência de quem pouco se podia esperar).

Este "paraíso perdido" - em essência, não necessariamente em fatos vividos - da infância é, sem dúvida, uma rusga no coração humano. Negativa ou positivamente, ou ambos, como um labirinto dentro de nós. Nem sempre nos damos conta de como aquela criança ainda age em nossa alma, nosso subconsciente. Traumas, medos, desejos, visões de mundo.

Sentimos uma saudade eterna da infância, quando o tempo não parecia passar, mas ele passou tão rápido. E ele fez passar nosso estado de criança, a priori

Nadia Comaneci se tornou uam heroína dos esportes. Encantou ao mundo aos quatorze anos, e, vendo-a em atividade nas Olimpíadas de Montreal, Canadá, em 1976, seu desprendimento parece até "nem sei bem o que está acontecendo, estou me divertindo e fazendo o que sei". "Sem saber que era impossível, ela foi lá e fez", como diz o ditado, e tirou a primeira nota 10 em toda a História da ginástica nas Olimpíadas. E vieram outras notas 10, antes e depois desse evento em sua infância, sim, corpo de menina, sorriso de menina, coragem de menina.

Hoje, as crianças estão crescendo cedo demais? 

O que quero deixar a você, leitor(a), é a pergunta: o que ainda resta em você daquela antiga criança, que, com certeza, por um mínimo que seja, ainda habita em você? Quais partes boas resgatar, o que de ruim a perdoar e esquecer? Não é fácil, tratamento especializado pode ser necessário. Assim como esforços diários para melhorar como pessoa. Pais e mães são sempre grandes questões na Psiquiatria. 

Na infância, você queria acreditar, tudo podia ser, você tinha mais coragem e liberdade de ser quem era, sabia brincar - embora obedecer fosse importante, e nem sempre bem-vindo. Lembro-me da música "Lua de Cristal", um marco para a infância dos anos 1990, e até hoje, em mim mesma ela lateja: "Tudo pode ser, só basta acreditar... o sonho sempre vem pra quem sonhar". É, aprendemos que nem tudo pode ser e nem sempre basta acreditar, mas pensar que pode ser assim, ao menos em parte, é ser criança no sentido mais positivo da palavra. Coração pulsante, grande, ainda não comprimido, calejado ou repleto de feridas, cicatrizadas ou não, que a vida acrescentou. 

Então, o que há daquela criança em você que você precisa ou poderia resgatar? O que esquecer? Tenho uma certeza poética, mas prática, de que a criança que mora em nós, mesmo que escondidinha embaixo da cama, onde a colocaram ou nós mesmos a pusemos, nunca morrerá.

Que tal encontrá-la? Aprender com ela? Voltar a acreditar, dar valor a coisas simples, sorrir mais fácil, chorar sem tanto pudor, amar mais, sentir mais, viver um dia de cada vez. 

Boa semana! 


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