Dezembrismo: tristeza de fim de ano

 

Fonte: Divulgação

Muita gente sofre de um mal caracterizado por melancolia, nostalgia, tristeza, às vezes culpa, ansiedade ou vazio, quando se aproximam as festas de fim de ano: Natal e Ano Novo. 

São datas comemorativas, festivas, supostamente de união familiar ou entre amigos - para quem tem. No entanto, há quem não curta nem um pouco esta época de ano, mais ou menos do mês de dezembro em diante. Há até um nome "científico" para estes sentimentos desagradáveis: a "dezembrite" ou "síndrome natalina". Se você se sente angustiado, frustrado, receoso, esgotado, um medo meio indefinido, hipersensibilidade, se se sente sombrio, desanimado, pensativo, reflexivo, não se sinta um ET: isso é bem comum. 

Os motivos para a dezembrite são vários, dependendo do caso de cada pessoa - muitas vezes não são conscientes, mas apenas subconscientes. Alguns dos motes mais frequentes, são: encontrar parentes e enfrentar conflitos familiares, ou não encontrar parentes (pessoas queridas) que já se foram e antes eram parceiros das festas de fim de ano, pensamentos estilo Simone - "então é Natal, e o que você fez?" by John Lennon no original; perdas, promessas não cumpridas, sentimento de decadência, falta de pessoas que estão longes ou faleceram, ainda que em datas distantes do fim do ano. 

Há, sobretudo, penso eu, o sentimento intrínseco de fim: fim de ano, mais um pedaço da "corda do barril de pólvora" - desculpem a possível vulgaridade - consumida pelas chamas até "estourar o barril" - quando nossa vida finda, à medida que os anos passam e ficamos mais vulneráveis, além de mais solitários, pois mais pessoas se afastam ou falecem. 

"Puxa, já tenho 40 anos neste Natal, e o que eu fiz da minha vida?"; "lembro quando a Ceia era cheia e alegre, e foi ficando a cada ano mais vazia"; "lembro dos meus avós, tios, primos que se foram". Lembro-me de que, como o ano finda, a vida finda, e não há marcha ré. É possível recomeçar todo dia, mas não apagar o passado e algumas de suas consequências, infelizmente.

Pensando em fim e frustração é que fazemos as "promessas de Ano Novo" - raramente cumpridas, verdade seja dita... Elaboramos listas, planos, reunimos forças, é um alento. "Desta vez, vai." É possível que desta vez vá mesmo, embora nunca com perfeição, cumprindo todas as metas com excelência e sem decepções, ou sem atrasos ou obstáculos inesperados. Eu, por exemplo, a vida toda tive uma meta que nunca consegui cumprir, até o ano passado, e por muitos anos eu dizia que "deste ano não passa": passar a virada do ano na praia. Agora, quero passar todos os finais de ano na praia.

Confesso que nunca gostei muito do fim do ano. Nem mesmo de Ceia de Natal. Tem hipocrisia. Tem alegria também. Tem gente que estava no outro ano, e neste não esteve ou estará. Gente que mudou - para pior, semi-estranhos. Que não verei nunca mais, estão em outro plano. Tem a sensação de como a vida corre, mais um ano, ontem era 2011! Mais de uma década se passou, e eu ainda me lembro de 2011, quando fazia mestrado na PUCRS, como se fosse ontem ou até hoje. O cara no táxi, meu parceiro para me levar após as aulas noturnas com algumas colegas junto, eu desabafando sobre um amor platônico a distância em frente ao pensionato das freiras, acreeditando no amor incondicional. Eu tinha mais sonhos. O mundo parecia mais fácil. O tempo, não posso estar errada, passava mais devagar. E, ao mesmo tempo, a vida girava mais rápida e mais emocionante - no sentido positivo da emoção.

É claro que todos nós temos experiências diferentes. Recomendo que você leia, gratuito no Kindle Unlimited ou por apenas R$ 1,99, meu conto "Um conto de Natal", inspirado na obra  homônima de Charles Dickens, o maior escritor da Era Vitoriana. E, depois, ou até antes, leia o original de Dickens que trata do espírito de Natal, e de como ele nos afeta, positiva ou negativamente, independentemente de condição social, física, idade etc. 

Por fim: 

Há muito o Natal se tornou mais uma festa comercial que uma festa cristã como no original, e conseguimos a proeza de implantar aqui, em pleno verão tropical (exceto em Gramado, por exemplo, onde me encontro neste momento) um velhinho que voa de trenó na neve entregando presentes, Santa Claus ou Papai-Noel. Na verdade, o Natal é uma festa que comemora o nascimento de Jesus Cristo, em uma manjedoura, e isso não foi esquecido totalmente; apenas foi quase esquecido. Não que Ele tenha nascido em 25 de dezembro, sabe-se que as datas da religião cristã - fundada pelo imperador de Roma, Constantino, visto que Jesus apenas fundou um caminho de fé e salvação - foram, muitas delas, incorporadas do calendário pagão, inclusive Natal, Páscoa etc. Domingo, o dia sagrado para os cristãos, era na verdade o dia do deus Sol, um deus cuja história era muito parecida com a de Cristo, Mitra: em inglês, domingo é "Sunday", dia do sol, literalmente. 

Natal e Ano Novo, hoje, se tornaram uma correria sem tamanho atrás de promoções, festas, mas igualmente de evitar de todo jeito a solidão. Ou, ao contrário, se isolar para não se sentir hipócrita ou ainda mais deprimido. Evocam generosidade, amizade, reencontros, amor, saudade, abraços, guloseimas, sorrisos, gratidão - o "espírito de Natal" de Dickens. Mas impossível não se lembrar de quanta gente passa o fim do ano, datas familiares e de amigos, sozinha e passando necessidades: mendigos, velhinhos, ainda que acompanhados em lares de idosos - você já foi a um para saber a tristeza que é a energia de tanta gente abandonada no fim da vida? Eu, já. Crianças de rua, órfãos, famílias pobres sem dinheiro para um peru de Natal, um tim-tim no réveillon, viajar, arejar a cabeça em uma praia, na serra, em um paraíso, ou entre pessoas queridas. Pessoas lutando pela vida nos  hospitais. Salvando vidas nos plantões médicos. Não consigo deixar de pensar nisso.

Natal é um "soco inglês" bem dado em quem tem empatia, se coloca no lugar do outro, e em quem sofre de abandono, pobreza e dores fundas. 

Apesar de tudo, desejo a você desde já um Feliz (ou suportável) Natal, um Ano Novo com várias metas e promessas atingidas - por que esperar até lá para começar? - e amor, paz, fé, mais uma vez amor que esse é o verdadeiro espírito de Natal, a solidariedade da irmandade humana. Ainda mais em tempos de tantas guerras e conflitos, narcisismo, ceticismo e uma falsa liberdade que desperta os piores instintos da natureza humana em muita gente - em você e eu, por exemplo, se não tomarmos cuidado.

Então é [quase] Natal, o que você fará daqui pra frente? Do passado, devem permanecer apenas as boas lembranças, ainda que com tristeza, e as lições, para que não tenhamos de errar mais umas 34 vezes, 34 Natais e réveillons. Aliás, quem sabe se estará aqui no próximo Natal, no próximo Ano Novo? A pandemia de Covid, que está voltando, talvez não com tanta força, nos mostrou que podemos perder pessoas e morrer de repente, mesmo jovens, mesmo sem explicação - por quê? 

Vamos combinar que fim de ano, apesar do indesejável termo "fim", deve sempre levar a "recomeço". Meu primeiro romance, Reencontro, termina na época do Natal, de uma forma idílica.

Eu aqui, cristã e resistente, "careta" para muitos, "vítimas de mitos do passado" (como se estes debochadores tivessem explicações melhores, excetuando a teoria do evolucionismo que contraria a principal lei do Universo, a Lei da Entropia ou Lei do Caos), até me afeiçoo pelo Santa Claus, o velhinho de barba que as crianças adoram e esperam, como o coelhinho da Páscoa - a Páscoa representa a ressurreição de Cristo. Mas o que me dá esperança e algum ânimo é me lembrar de que estou celebrando o nascimento do Salvador, que está vivo, e que posso presenteá-Lo com o que não tem preço - já que Ele é o dono de tudo: amor a mim mesma - e isso pode exigir algum esforço, sem comodismo - e ao próximo, amor a Deus, gratidão, generosidade, lealdade, perdão, compreensão, sorrisos sinceros a desconhecidos (às vezes, outrora pessoas lembradas por nós) e renegados. 

Então é Natal, Ano Novo, quem você abraçou por amor?

 


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