O Grande Talvez: o dilema humano da Morte e do fim

 

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No livro Quem é você Alasca?, de John Green, temos a história de Miles Halter, um adolescente "comum", sem qualquer grande diferencial; a não ser a mania de devorar biografias e, em especial, colecionar as últimas palavras das pessoas célebres - logo antes da morte. Assim, ele depara com o dilema de Rabelais, poeta cujas últimas palavras foram: "Saio em busca de um Grande Talvez. Talvez, é por isso que estou indo embora. Para não ter de esperar a morte para procurar o Grande Talvez." (Françoise Rabelais). 

Ainda falando na obra best seller de Green, Miles decide estudar em Culver Creek, internato onde seu pai estudou. Conhece então a enigmática garota chamada Alasca - além de outros amigos, menos interessantes e menos repletos de "talvez". Não quero dar spoiler aqui, mas Alasca traz O Grande Talvez ainda mais para dentro do coração e da vida do curioso e existencialista Miles Halter. Ela mesma é um Grande Talvez, como todos nós, como a Morte - apesar dos inúmeros relatos de EQM, quem chegou a morrer e voltou contando histórias muitas vezes parecidas, e apesar das crenças inabaláveis de cada um, ou descrenças, há um breu. 

Tanto a limitação temporal, o sentido da vida como A Morte, personificada (ou não) são nosso O Grande Talvez. 

Falando mais em literatura, em A culpa é das estrelas, John Green volta a tratar da questão da morte - iminente, no caso, sempre à espreita - ao falar de adolescentes com câncer. Os protagonistas são afligidos por este mal, inclusive a dócil garota Hazel, em estado terminal, que não sobrevive sem um cilindro de oxigênio ligado à sua via nasal. Ela acaba conhecendo Augustus Waters no Grupo de Apoio a Crianças com Câncer. Lá, a morte sempre ronda, e nunca se sabe quem estará ausente na próxima vez. Augustus tem um grande medo: "ser esquecido após a morte". Chega a ensaiar suas últimas palavras, diante de seus amigos, seu discurso de despedida premeditado. Novamente, não posso dar spoiler, mas este livro também best seller nos coloca frontalmente com a questão da Morte, do Fim, do "um dia de cada vez", do morrer jovem, do sofrimento, e do porquê tanta dor. Entre Hazel e Augustus, o amor poderá salvar da Morte? 

Quem de nós nunca pensou, ou pensará, no que vai escrever em sua lápide? Até existem memes e fazemos brincadeiras sobre isso. Charles Bukowski, um exímio adepto da ironia, escritor norte-americano, escreveu em sua lápide apenas: "Don't try" (não tente); ele era praticante de boxe, é o que se sabe. Ademais, há inúmeros epitáfios no mínimo curiosos, e até o fato de qualquer cidadão ter o direito de receber um - escrito por outrem ou definido por si mesmo, ou nenhum. Na Idade Média, poucos tinham a escolha de ter um epitáfio no túmulo, a não ser que fossem nobres, reis e proeminentes da corte, cujas palavras exaltavam seus atos heroicos.

O epitáfio, na lápide, consiste em um registro sucinto da memória de um defunto. Aquele que adentrou O Grande Talvez. Há gente obcecada por epitáfios, além de Miles Halter. Vejamos Frank Sinatra, que foi bem otimista e determinou que escrevessem: "O melhor ainda está por vir". Já Millôr Fernandes, escritor e humorista brasileiro, preferiu gravar em sua lápide palavras mais duras: "A gente só morre úma vez. Mas é para sempre". Muitas pessoas nem chegam a ter um epitáfio - não é obrigatório -, senão o registro das datas de nascimento e morte. Isso quando têm uma lápide. Na pandemia de Covid, por exemplo, muitos tiveram de ser enterrada às pressas, como indigentes, em cemitérios improvisados, notadamente em Manaus, caso que ficou mundialmente conhecido: gente "jogada" em valas. Isso ocorre muito nas guerras, nem todos os soldados e civis vítimas podem ser identificados, ou ter um epitáfio. 

Voltando à terrível pandemia de Covid, e às incontáveis vidas que levou - e ainda está levando, não acabou: isso tudo fez a maioria de nós ficar frente a frente com a Morte, mais do que nunca. Morrer de repente, jovem, sem muitas explicações, virou rotina. Agora, fala-se nas inúmeras sequelas das vacinas - necessárias, a meu ver - e do próprio contágio, mesmo assintomático, por Covid. O interessante, contudo, ou lamentável, é que vejo (sou só eu?) que a pandemia não arrefeceu nossos piores instintos, não chegou a estimular a solidariedade em massa como esperado, mas as falhas dos sistemas de saúde pública, o medo, e em especial o medo ou a reflexão diante do fim iminente - O Grande Talvez. (Deixo clara minha admiração aos inúmeros profissionais e voluntários que arriscaram, e muitas vezes perderam as próprias vidas para lutar na linha de frente contra o vírus chinês.)

Mas nosso cérebro, nossa essência, logo cedo sabendo que o fim da vida terrena nos aguarda, procura evitar o terror do que parece um labirinto, um infinito desconhecido, uma parede sem saída: fazemos coisas do dia a dia para nos distrair, ocupamo-nos, banalidades ou grandes sonhos nos preenchem. Entretanto, quando alguém morre, principalmente próximo a nós, é inevitável refletir acerca da brevidade da vida - tema principal do livro bíblico de Eclesiastes: "A vida é um sopro". Em um funeral, ou após a morte de uma pessoa, é comum que ela passe a ser "bem-falada", mesmo quando era o contrário em vida. Um ato de compaixão por quem se foi. Arrependimentos, lembranças, o pensamento em nossa própria morte, em "como a vida é imprevisível, curta, e o que vem depois?". 

E, quanto mais o tempo passa, mais a idade avança, mais gente vemos indo embora para O Grande Talvez. Gente amada, cada vez mais próxima - avós, tios, irmãos, amigos, pais, mães, filhos. Há pouca coisa pior que pais terem de enterrar um filho, é o que dizem, não é a ordem natural das coisas. 

Muita gente escolhe tirar sua própria vida, suicidas pelos mais variados motivos, em geral apenas a dor de permanecer vivo - sob efeito de substâncias nocivas, como drogas lícitas ou ilícitas, ou não. Aqui faço um alerta: quando alguém ameaçar seguidamente se matar, não pense que é para "chamar a atenção"; estudos e a experiência mostram que muitos destes acabam cometendo o ato afinal, e que é um verdadeiro pedido de ajuda enquanto urram, ou sussurram seu desejo.  

Enfim, o que ocorre é que a vida vai passando e vamos nos acostumando a perder pessoas, fulano, fulana morreu, assim de repente, ou após uma longa batalha. Mentira. Nunca nos acostumamos a perder nossos queridos como gostaríamos. Cada vez que alguém que amamos se vai, vai-se junto uma parte de nós. Enquanto isso, vemos nosso corpo definhar, conforme a Lei da Entropia que guia o Universo - todo sistema tende à desorganização com o passar do tempo, degradação até a morte (transformação, caos total), o que, inclusive, inviabiliza a prática da teoria do evolucionismo que prega exatamente o contrário, baseada na coerente e comprovada lei de adaptação de Charles Darwin. 

Mas me diga: você tem medo da morte?

Já parou para pensar aonde irá após o último suspiro? Consegue lidar bem com todas as perdas que teve, espera reencontrá-las um dia? Acaba tudo, ou é só o começo de uma eternidade? São várias reencarnações, o umbral? Cada crença tem sua versão, desde a Antiguidade. Os egípcios acreditavam em um longo caminho após a morte até encontrar a libertação para o Paraíso, descrito no Livro dos mortos. No pós-vida, o coração era literalmente pesado por uma balança para decidir o destino do morto. E assim, todas as culturas sempre se preocuparam com rituais fúnebres e o pós-vida, mais do que hoje, quando temos tantos aparatos médicos e, advindo em especial do iluminismo do século XVII, o ateísmo, niilismo, o "deixa pra lá" - evidências de fenômenos sobrenaturais e pós-vida, a meu ver, não faltam, quanta fé tem o ateu!

Não, não quero me alongar neste assunto obviamente desagradável. Estamos nos aproximando no Natal e do fim do ano, que nos levam a pensar no que fizemos neste ano, e nos anos passados, memórias, lembranças, quem se foi... A Ceia de Natal vai ficando cada vez mais vazia, o reveillon... E, apesar do "espírito de Natal", como no clássico conto de Charles Dickens, Um conto de Natal, que quebranta a muitos corações, é provável que acabemos com uma ponta de tristeza, nostalgia, receio até... Ano passado, tal pessoa ainda estava aqui. Na Ceia. Na vida. Ano que vem, quem não estará?  

Para fechar mesmo esta porta enferrujada, tantas vezes tratada pela Filosofia e religiões que é a finitude humana: penso que a vida seja uma jornada para descobrirmos a nós mesmos e desenvolvermos relacionamentos, realizarmos sonhos, e, principalmente, amar e sermos amados.

Ame muito, para que, ao olhar um epitáfio de uma pessoa querida, não tenha de se lamentar por não a ter amado na prática - palavras são sempre pouco. Flores no cemitério não são pedidos de desculpa, sempre falo. Viva de maneira a ser lembrado como alguém que fez diferença na vida das pessoas, nem que uma gota no oceano. Perdoe, recomece, mude se necessário, mude tudo se necessário, fale menos e faça mais, seja você mesmo, viva! Reivente a vida, seja feliz, cuide da sua saúde física e mental, selecione quem fará parte da sua vida mais íntima de tempos em tempos. O dinheiro na sua conta, suas Ferraris, jatinhos, mansões, não vão embora com você nem com ninguém cuja vida se findar. 

O que fica da nossa vida é o amor que plantamos nas pessoas, o tempo, a alegria, a compreensão que concedemos a elas, ao mundo dolorido e injusto aos nossos olhos. Não necessitamos de "atos heroicos" como os narrados na Idade Média sobre os nobres. Heroico é tentar se tornar cada vez melhor nesta vida, amar mais, viver mais, acreditar mais, e tirar, se possível, do nosso convívio pessoas tóxicas, suas palavras espinhosas que matam sonhos, que matam pessoas que ainda respiram. Não seja uma delas.

Longe de mim saber a "receita de viver". Cada pessoa é diferente, cada contexto de vida, mas sei que, sem amor, sem sonhos, sem coragem, não é possível uma vida de verdade, aquela que, apesar dos pesares, vale a pena. Muitos existem, poucos realmente vivem, não é mesmo? Não é necessário sair por aí metendo os pés pelas mãos, mas, enquanto você puder sonhar e ter fé, estiver respirando, há esperança. Viva a vida! Que mesmo a dor, tão presente na condição humana, nos ensine a viver mais e melhor, em primeiro lugar para nós mesmos, e então para aqueles a quem amamos e para todos os que necessitam de ajuda.

Assista a meu vídeo sobre o tema no YouTube: A VIDA É UM SOPRO - AME AGORA. Há outros clipes reflexivos e poéticos, e, em breve, novidades, inscreva-se e clique no sininho para ficar a par das novidades!

Bom resto de semana a todos nós!

 

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