Pare de culpar os outros!

 

Fonte: Divulgação

É uma verdade universalmente conhecida (parafraseando Jane Austen) que a natureza humana, desde o lendário, metafórico ou fatídico Jardim do Éden, tem a tendência de culpar os outros por seus erros ou certas situações. Lembra quando Eva aceitou a "maçã" (fruto proibido) da serpente do mal e o ofereceu a Adão, e ele comeu com ela? Então Deus perguntou a eles o que haviam feito, para que confessassem. O que Adão disse? "A mulher me deu do fruto, e eu comi". Culpa da mulher, que ficou estigmatizada no judaísmo e até no cristianismo por isso. "O problema é você" é um paradigma muito antigo, portanto. Humano, demasiado humano. Mas pare! Você não precisa culpar os outros o tempo inteiro, aliás, deve evitar essa atitude ao máximo.

Por quê?

Primeiro, porque, por mais que nem tudo dependa de você e os outros tenham influenciado nos fatos ou sentimentos e pensamentos seus, não adianta nada culpar os outros (excluindo-se em ações jurídicas, conforme a Lei, em que você precisa buscar seus direitos; o Direito trabalha com culpa e inocência). 

Colocar a culpa nos outros não acrescenta em nada, não resolve nada a priori, pois você tem de aprender a resolver sua vida.

Desde pequenas, crianças aprendem a culpar os irmãos ou amiguinhos, ou até os bichinhos de estimação pelo que elas mesmas fizeram. É ou não é natureza  humana, instinto humano? E pasme, até mesmo nossos pets acusam outros pets de serem culpados por algo que eles é que fizeram - assisti a vídeos na Internet com cachorros, que chegavam inclusive a "cutucar" o inocente quando questionados sobre "quem fez isso?", tipo, rasgar alguma coisa. Muito primária esta atitude, não

Outro motivo para não culpar os outros: não fazer isso toda hora é um sinal de maturidade. Tendo os outros culpa ou não, e nós reconhecendo essa má influência alheia ou não, entender nossa própria parcela de culpa e principalmente fazer algo para melhorar a situação é o correto. Tentar mudar, autoconhecer-se e ter empatia. Ter empatia é conseguir se colocar no lugar do outro, não concordar necessariamente com ele, mas, por que afinal ele faz isso ou pensa assim? Não é que não haja verdades absolutas, mas a visão sobre cada fato é sempre relativa: para uns, a Terra gira ao redor do Sol, para outros, o Sol é circundado pela Terra (e vários planetas, até maiores que a Terra). Para uns, ela terminou um relacionamento com uma pessoa tóxica que a destruiu, para outros, recomeçou a viver e se amar. 

Enfim, é uma natureza bem primitiva culpar os outros. Não se sinta tão culpado assim... Por outro lado, um ser humano sábio sabe que "quase nada sabe" e que precisa evoluir sempre, como exemplo a outros e para ter uma boa imagem, não hipócrita. Cultivar transparência e lealdade na essência, apesar dos defeitos e deslizes que são humanos.

Nossa "caixinha-preta", lá no fundo de nós, tem de ser ensinada a nos tornar responsáveis por nós mesmos. Isso pode ser aprendido com esforço mental e prática de disciplina constante do pensamento e dos atos.

Veja a História, é marcada pelo desenvolvimento da culpa no ser humano, uns culpam aos outros. Poderosos incutem culpa e medo no povo como mecanismos de controle social, muitos deles calcados na área sexual e social, como já dizia Jürgen Habermas. E nós mesmos nos culpamos uns aos outros, afinal, dividir o povo em grupos antagônicos tem se mostrado uma excelente e malévola tática política para enfraquecer o poder desse povo. 

Hoje, a liberdade da Pós-Modernidade é um tanto ilusória. Trata-se de uma realidade totalmente tecnológica, digital, e ainda mais coercitiva por meios de controle, mesmo que de forma sutil. Como disse, a culpa gera medo, temor do castigo, das consequências, gera tristeza e até paralisa o ser, os "revolucionários", os que "pensam fora da caixa". É melhor "não interferir no sistema", melhor ser "normal" e como todo mundo. A fogueira da Inquisição bruxuleante está à nossa vista todos os dias. Nós tentamos "colocar o outro na fogueira" e nos safar, outros fazem o mesmo com a gente, afinal, quem quer conviver com a terrível culpa, ter uma imagem ruim, ser motivo de fofoca e consequências muitas vezes drásticas, como perder um emprego? 

O outro lado da moeda: os ombros suportam o mundo

Entretanto, há o outro lado: quando, compulsivamente, se insiste em assumir todas as culpas do mundo. Recomendo a leitura do poema "Os Ombros Suportam o Mundo", de Carlos Drummond de Andrade, ícone da nossa Literatura. Ao contrário do que possa parecer, o nobre poeta nos avisa: "Teus ombros suportam o mundo / e ele não pesa mais que as mãos de uma criança", "chegou o tempo em que a vida é uma ordem", a ordem é viver de verdade, sem se deixar abater.

Então devo fazer tudo o que tiver vontade, ser o que quiser, sem culpa, como alguns filósofos greco-romanos pregavam? É claro que não. Primeiro que você vive sob leis em qualquer parte do mundo, e elas têm punições. Segundo, que, como disse o apóstolo Paulo, "todas as coisas me são lícitas (permitidas), mas nem tudo me convém". E terceiro, que você tem responsabilidades diante de outras pessoas e de você mesmo, afetivas, profissionais, sociais, pessoais com sua saúde física e mental e sua integridade em geral. Disse o Pequeno Grande Príncipe eterno: "Tornas-te eternamente responsável por quem cativas" (pelo que vives).

Para não me alongar: não estou pregando libertinagem. Não estou pregando filosofias do estilo Baco, enlouqueça, faça o que quiser, jogue tudo para o alto. Tampouco, estou dizendo para não sonhar, sonhar alto, e tentar ser quem você realmente é, descobrir-se, "mergulhar no que não conhece" como declarou Clarice Lispector. 

Veja, Aleister Crowley, o bruxo mais famoso do mundo, considerado satanista, tinha uma única lei: "Faz o que tu queres, tudo é da lei". Teve um fim precoce e trágico, na miséria, decepado por vícios e solitário. É que existe a Lei da Vida: colhemos o que plantamos. E a Lei do Retorno, que deve ser temida. O que você entrega ao mundo, volta para você de alguma forma, mais cedo ou mais tarde.

Costurando finalmente todas estas "pontas": pare de culpar os outros e assuma as responsabilidades por suas reações, por sua situação, até mesmo por seus defeitos, pelo que fez e não fez, quer e não quer fazer. Sugiro que pondere como se tornar uma pessoa melhor, não repetir erros, fazer escolhas certas. Recomendo que invista em se autoconhecer, seja através de livros até atividades que possam revelar quem você é, quem é de verdade - não quem foi "programado" para ser, mesmo sem perceber. 

Pare de culpar o governo, o mundo, seus pais, irmãos, parentes, o clima, a falta de sorte, Deus. E, se achar que eles lhe fazem mal, mude você: de pensamento, primeiro, depois de atitude, de lugar (sim, o lugar e a convivência importam em nossa felicidade, somos resultado do interno e do externo). Acredito no livre-arbítrio, nosso bem mais precioso em vida, e mais perigoso, dele depende nosso destino. A única culpa real é do nosso livre-arbítrio, pois só Deus pode julgar as pessoas que criou com justiça plena.

Não se sinta mal por assumir seus problemas, suas dificuldades e seus erros. Não; prefira sempre olhar para trás e encontrar lições, aprendizados, desenvolvendo o autoconhecimento e a autorresponsabilidade. Isso aumentará sua resiliência - capacidade de resistir, ser forte, não ceder facilmente diante dos obstáculos. Ganhe "envergadura emocional", assumindo-se como pessoa, ou tentando descobrir quem é e qual seu papel no mundo, reavaliando volta e meia seu presente e futuro.

Culpando minimamente os outros, você vai subir de elevador até o topo da montanha, enquanto outros preferem a "pedra de Sísifo" da vitimização e da culpa alheia, aquela pedra da lenda grega que é empurrada até o topo da montanha, mas sempre cai novamente em cima de Sísifo. 

Não é que seja fácil, nunca foi. Mas, a pessoa que é capaz de controlar a si mesma e policiar seus pensamentos, é praticamente imparável! E não perde tempo culpando os outros (sim, eles podem ter culpa, mas isso não é o mais relevante) e adoecendo de raiva, rancor e tristeza. Cobre a si mesmo mais que aos outros, espere mudanças em si mesmo, sem exageros, que a virtude está, sempre esteve no equilíbrio, em se perdoar e recomeçar, em viver um dia de cada vez, não permitir que se ponha o Sol sobre a nossa ira (Jesus Cristo, na Bíblia Sagrada).

Boa semana!

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