Aprender o silêncio

Fonte: Divulgação


Somos uma geração barulhenta. Birrenta e hiperativa. A sociedade da angústia coletiva, interna e externa. Da falta de silêncio, interno e externo.
Aqui, agora, rápido, já não serve, você vai perder, quem é você neste instante? Quem será daqui a pouco? Corra, decida, faça, exploda-se, o mundo não vai parar sem você.

Algumas pessoas, muitas talvez, já notaram isso, e até escreveram sobre o assunto: como Thich Nhat Hanh (tive de revisar três vezes a escrita do nome), em Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento (2018). Como o best seller As coisas que você só vê quando desacelera, de Haemin Sunim e Rafaella Lemos, a série de livros do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, como em A sociedade do cansaço, o primeiro seu que li, que fala de uma sociedade esgotada, em que a maximização, a inquietude (no trabalho, na vida pessoal, na mente) e a digitalização que informa, mas também acelera e provoca ansiedade e depressão. Ou, do mesmo autor, Favor fechar os olhos: em busca de um outro tempo: "(...) a ruptura do tempo, o que conduz ao aceleramento sem direção e sem sentido". Como sou leitora nata, não consigo deixar de citar ou indicar livros sobre os assuntos que escrevo. 

O fato é que parece que, hoje, você até parece ter o dever de se sentir culpado caso não esteja trabalhando, fazendo alguma coisa útil, mesmo que "acompanhando o seriado do momento ou lendo o livro da moda". Pensando bem, acho que não expliquei bem sobre o silêncio de que falo: é, sim, a falta do barulho silencioso e pacífico dos pássaros e não dos carros, metrôs, aviões, pessoas por toda parte falando ou digitando em smartphones sem parar; pessoas que não param para ouvir umas às outras, nem mesmo se ouvir. Pensamentos repetitivos, alimentados por redes sociais que não param, rumores, fofocas, fake news, o "ódio do bem", a ira instaurada na sociedade brasileira, a angústia do eros exacerbado ou narcisismo pós-moderno, a agitação, o aqui e agora, o já, a negação e desvalorização do envelhecimento e dos idosos como pessoas, o barulho, barulho, barulho da chuva de pedras dentro e ao redor de nós, seja nas metrópoles ou em uma fazenda, o barulho está sobretudo dentro de você. 

Assim, acabam  lotados consultórios de psiquiatras e psicólogos, fazendo os índices de doenças como ansiedade e depressão, e de suicídios, dispararem. Remédios, drogas lícitas e ilícitas, tudo é desculpa para "eliminar rapidamente um problema, um ruído", e seguir sem perder tempo, sem ficar para trás. Tem muita gente gritando que é dona da razão, sem sequer escutar o outro lado; tem muita gente tirando sarro de quem leva a vida com calma (não é preguiça, necessariamente), parcimônia, "frouxo", "lento", "atrasado". "Em que mundo você está?", que ainda não sabe disso ou daquilo, que não sabe usar isso ou aquilo, que não está fazendo isso ou aquilo, que pensa dessa forma? 

Há quem venha na contramão dessa balbúrdia, embora, a meu ver, seja obrigado muitas vezes a fazer parte dela - o showbusiness não para: Monja Cohen, Karnal, Cortella. Veja, Karnal, me parece, diz que trabalha tanto que dorme cerca de 4h por noite. Isso não é saudável, não há nenhum relógio biológico que necessite de apenas 4h de sono - talvez com remédios para dormir, cada vez mais comuns. O problema é que, ou você "anda devagar porque já teve pressa", como na clássica música sertaneja raiz, ou você se sente deixado para trás, ultrapassado, vencido, alheio, perdido. "O trem da vida hoje é um trem bala." 

Então, o que fazer? Se há tanta competição, se a gente tem de pagar as contas, se a gente vive em um mundo cansado, hiperativo, exasperado, pós-capitalista, um mundo que berra, mesmo quando se digitam em teclas, e se lê ou escreve no silêncio, um mundo que não para. 

Bem, já que estamos aqui, eu diria: desacelerar um pouco. Um pouco de cada vez. Encontrar um ritmo de vida sem tanto estresse, sem excesso de malemolência tampouco, encontrar o equilíbrio interior: há de fato pessoas mais hiperativas e ativas, barulhentas por dentro e por fora, mas estão nos forçando a sermos todos nós! Eu, por exemplo, muitas vezes me sinto "na época errada". Noutras, agradeço pela diversão e tecnologia que essa época me proporciona.   

Desacelerar, organizar seu tempo, suas prioridades. O que importante, ah, para isso sempre sobra um tempo. Para o silêncio, que é tão importante. Meditação. Paz de espírito. Acalmar. Respirar. Contato com a natureza. Isolamento. Solitude, que é a virtude de se ficar só, e não o drama da solidão. Vamos tentar ser um pouco "metafóricos"? Seu silêncio pode ser se desligar do trabalho e dos problemas e brincar com seus filhos pequenos - que fazem barulho, e, claro, você precisa educá-los a se comportarem, com paciência e amor. Amor é um tipo de silêncio que cura, restaura, ensina. Seu silêncio pode ser ler um bom livro que escolheu aleatoriamente, não porque todo mundo está lendo ou tem um assunto específico. Pode ser fazer uma viagem sozinho, ou até acompanhado, sentir o vento no rosto, o mar nos pés, sentar-se nas pedras, não fazer nada. Nem mesmo pensar. Imaginar, quem sabe...

Ah, quem sou eu para dizer o que você deve fazer. Já temos muitos "gurus da vida" por aí. É que estava "pensando aqui comigo mesma", tentando preencher uma inquietude à qual estou mal-acostumada. Ainda busco quais são meus silêncios, meus lugares silenciosos, meu descansar. Mas, como costumo citar a Bíblia Sagrada - ah, leia Provérbios e Eclesiastes, acho que pode ajudar a entender quanto tempo perdemos com coisas vãs e correria... Então, lembro o versículo: "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus" (Salmo 46:10). Deus é amor, Deus é paz, Deus é justiça. E Deus pode estar nas tempestades, como um estereótipo de Zeus e seus raios punitivos, nas guerras para a busca da paz; mas, com certeza, Deus está no silêncio. 

"Silêncio de coração" como se chama aquela música que fez tanto sucesso de um cantor de quem nem me lembro mais. Silêncio de coração, silêncio de alma, achei! Era isso que eu buscava descrever. 

O mundo não vai voltar atrás, desacelerar. Você, pode. Tanto interna quanto externamente. Certamente, é saúde para seu corpo e seu espírito. Espírito é o que habita dentro de nós, o que nós somos, e é eterno, não depende do tempo. Pense nisso: cultive-o.  

Comentários

  1. Excelente artigo, parece o meu pensamento e de muitas pessoas em ressonância com o da autora.

    ResponderExcluir

Postar um comentário