Minha história: comecei a escrever para me conhecer melhor

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Quando escrevi meu primeiro livro, Reencontro, em 2011, um romance de 496 páginas, eu não tinha o hábito de ler. Lia, sim, lá de vez em quando - literatura, quero dizer, e eu já tinha especialização e Mestrado. Em Reencontro, a história, a maioria das personagens e até o final já estavam dentro de mim havia muito. Comecei e recomecei a obra Reencontro várias vezes, acrescentei e retirei coisas até ficar parecida... comigo, com meu coração, minha alma, à época. Há citações de poetas e músicas clássicos no livro, mas "caçadas" aqui e ali, como quando se cita Clarice Lispector, Quintana, sem muita responsabilidade de os conhecer a fundo, ou com a exatidão de seus versos. 

Quando comecei a escrever poesia, por estar triste, ou cansada de tudo (quase nunca alegre), ou questionando a mim mesma e ao mundo... Quando comecei a escrever poesia, eu nem sabia o que estava escrevendo. Eram versos brancos (sem rimas), mesclados a rimas ricas e pobres (de classes gramaticais diferentes e mesma classe, como verbo e verbo, respectivamente). Não conhecia os grandes poemas nem poetas de verdade,  muito menos sabia o que eram versos alexandrinos, os mais difíceis, segundo meu amigo da Academia Brasileira de Letras, um cara que entende muito, mas muito de poesia e ensina isso na universidade e em seus livros - Antônio Carlos Secchin. 

Tracei no papel e no computador várias coisas e guardei até 2012. Então, meu grande amigo e grande poeta e contista Majela Colares me disse que aquilo era poesia, e até me ensinou algo sobre "escrever poesia". É, ele queria que eu escrevesse um livro. Arrumou uma editora do Rio. E, bom, há de se ter um mínimo de conhecimento técnico, ao menos se você for publicar um livro no mercado editorial. Juntamos 40 poemas e voilà, estava lá A Queda da Bastilha, 2012, meu primeiro livro poético. Depois, em 2016, viria outra edição da obra, por outra editora, revisitada: eu não era mais a mesma. 

Minha mais recente obra são poemas, em geral, curtos, estilo Rupi Kaur (não cópia, espero, ninguém é igual nem para escrever), totalmente ilustrado por Rubia Fava: Como Amar Demais em um Mundo CanalhaObs.: você consegue mais barato a obra em formato físico na loja da editora Dialética. O livro foi Baseado em uma desilusão amorosa, o livro que era para ser apenas declarações de amor e desabafos, se tornou um resgate do meu amor-próprio e da minha capacidade de amar. E de escrever! 

Resumindo: você não se precisa ser leitor assíduo e aprendiz de escrita para começar a escrever. Não precisa ser "o garoto ou a garota que sempre tirava dez na redação na escola". Embora hoje eu indique aperfeiçoamento a todos os escritores, mesmo os não profissionais, que não vão lançar livros para o mercado editorial. 

No meu caso foi assim. E em muitos outros. Alguém ensinou Clarice Lispector, formando-se em Direito aos 22 anos, nos anos 1940, a escrever seu primeiro, o brilhante (meu preferido dela) Perto do Coração Selvagem? E o complexo Água Viva, que até hoje ninguém consegue classificar em um gênero literário com precisão? Ninguém classificaria Clarice Lispector, tampouco sua escrita.

Reencontro, meu primeiro livro, de quando eu não lia para escrever, foi o mais vendido, recebi dezenas de depoimetos emocionados de leitores. Eles se reconheceram na obra. Há temas universais, densos, corriqueiros nele. Vida e morte. Este livro e meus livros de poemas, notadamente o primeiro, "quase virgem de conhecimento poético", foram recebidos com acolhimento por membros da Academia Brasileira de Letras. Versos não libérrimos, mas na dose certa, sem nenhuma afetação de qualquer autor, disse mais ou menos assim o inesquecível Ivan Junqueira (in memoriam) sobre A Queda da Bastilha. André Seffrin, vencedor de prêmios Jabuti, chegou a comparar minha escrita de prosa poética em Reencontro com ninguém menos que Cecília Meireles. Quem me dera! Nunca havia lido um livro dela ao publicar Reencontro, apenas poemas pequenos.

Calma, não estou querendo fazer autopropaganda. A despeito de que mostrar seu trabalho é sempre bem-vindo a qualquer escritor, em um país onde pouco se escreve e pouco se lê. 

Estou querendo dizer que você não precisa ser um exímio leitor, conhecer e discorrer sobre literatura brasileira, lusófona, russa, vitoriana, indígena, africana, sonetos, versos alexandrinos, ser bom em língua portuguesa ou ter uma inteligência elevada para começar a escrever. Basta você sentir. Sentir(-se) é a arte mais pura de escrever literatura. 

Ouvi um dia que todo escritor no fundo sempre escreve sobre si mesmo.

Suas diferentes facetas. Então, por que você não começa a escrever? Não precisa "perder horas". Nem imitar ninguém, nem perto disso, como já disse. O maior poeta norte-americano, a meu ver, Walt Whitman, escrevia em versos brancos (sem rima). Ele só publicou um livro na vida, A Relva, ao qual ia acrescentando conteúdo a cada edição. Alguém ensinou Walt Whitman, enclausurado no século XIX, a escrever? Não sei. Pode ser que não. Acho que não, eram muito puros.

Compre um caderninho, se preferir escrever à mão (amo isso). Leve-o sempre junto com você. Anote seus poemas, suas ideias, qualquer coisa. Ligue o laptop, o computador, enfrente a tela em branco, flua, deixe-se fluir e se impressionar com suas autodescobertas, até que as perceba e aceite. 

"Se olhares bem, tudo é poesia", eu disse uma vez. Treine seu olhar para as pequenas belas coisas, ainda que tristes. O que quase ninguém vê, de um jeito que só você vê. Quer se tornar um escritor (no Brasil, raramente uma profissão reconhecida, infelizmente), um romance, um thriller? Escreva o que lhe vier à cabeça, corrija, inspire-se em autores best sellers do mercado editorial atual (se quiser vender mais). Inspire-se nos clássicos, nos cânones, se quiser escrever melhor. Em ambos!

Hoje, eu digo: leia, não como uma traça rói um pedaço de papel, sem parar, por obrigação. Leia no seu ritmo. Leia o que prefere. É claro, se tiver um prazo de entrega para uma editora, você vai precisar pesquisar, ter horários de escrita etc. Publicar um livro, não de forma independente (boa alternativa, por exemplo na Amazon), mas por uma editora, deve ser algo profissional, contratual.

O importante é que um escritor e um leitor podem viver muitas vidas em uma só! 

Garanto a você que, escrevendo, poderá descobrir que se sente melhor, consegue expurgar seus demônios, conseguirá se entender melhor e ao mundo que o cerca. No mínimo, terá um bom entretenimento. Registrará, talvez, suas memórias, e dez anos depois vai relê-las, talvez rir, talvez chorar. Estamos em constante mutação, e nossas palavras escritas registram isso. As palavras podem ser eternas neste mundo e Além. 

Então, por fim, desta maneira é que aprendi a me conhecer. Anos mais tarde fui perceber algumas coisas que já escrevia e faziam parte de mim. Escrevendo. Não "como se alguém estivesse olhando", como disse o best seller John Green, pensando em parar sua brilhante carreira. Como se você estivesse olhando seu próprio coração, sua própria alma, você mesmo. 

Escrever bem está além da Gramática e do conhecimento. Destarte, com a prática e, quem sabe, cursos, leituras e conversas com outros escritores e leitores, você vai descobrindo seu estilo de escrita (pode ser adaptável, conforme o gênero textual) e seu estilo de ser e sentir. 

Boa semana! 

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