Sabe-se que a maior parte dos chamados "contos de fadas", em suas diversas versões originais - boatos, mitos, histórias orais ou escritas -, são um tanto "perturbadores". Para não dizer tétricos, sanguinários e assustadores. Um dos casos mais emblemáticos é o do conto "Branca de Neve", imortalizado pela Disney no filme de 1937.
A versão do filme criada pela Disney passa bastante longe da história "sórdida" em que foi inspirada, de autoria dos Irmãos Grimm. E de outras versões anteriores ao longa, já que a narrativa era conhecida em diferentes países, com variações até no título: na Itália, por exemplo, onde raramente neva, a protagonista era "Branca de Leite". Certas fontes apontam estupros e uma rainha-mãe tentando matar uma filha por ciúmes.
Inclusive, alguns especialistas ponderam que os originais de Branca de Neve poderiam ter ajudado na maquinação de certas torturas e "sandices" pela Condessa de Sangue, a húngara Elizabeth (Erszèbeth) Báthory, primeira mulher serial killer oficial, esposa do nobre e guerreiro romeno Vlad III; este, base para a criação do Conde Drácula de Bram Stocker. Ao passo que a condessa, assassina em série como seu par, teria sido um dos pilares de "Carmilla", primeiro romance oficial vampiresco, de temática lasciva, obscura e cruel.
"Branca de Neve" dos Irmãos Grimm: você provavelmente não contaria essa história aos seus filhos
Os Irmãos Grimm, Jacob e Wilhelm, foram, ambos, acadêmicos linguistas e escritores, nascidos no extinto Condado de Hesse-Darmsttadt, atual Alemanha. No século XIX, trataram de escrever novas versões de narrativas antigas, em formato de fábulas. Ainda assim, suas histórias reeditadas eram, comumente, repletas de violência explícita e maldade. Além disso, não serviam para crianças, senão para ensinar lições de moral, ou aterrorizar pessoas que cometessem certos atos, ou simplesmente aterrorizar o povo incauto da época medieval.
E como era a versão dos Irmãos Grimm de "Branca de Neve", uma das populares fábulas germânicas?
No original dos Grimm, a Pequena Branca de Neve é perseguida pela Rainha Má. A monarca pede a um caçador que leve a bela moça, de pele alvíssima, à floresta, e a mate. Tudo coerente com a versão da Disney: até aqui.
Na história dos irmãos alemães, a personagem principal que dá nome ao conto é uma princesa de apenas sete anos de idade. Pois bem, nesta versão, a malévola rainha exige que o caçador volte com os pulmões e o fígado da pequena garota; o caçador, encantado com a beleza a graciosidade de seu alvo, finge assassiná-la e traz, em lugar de suas vísceras, as tripas de um javali. A Rainha Má, acreditando que pertencem à menina, devora com gosto os órgãos do animal selvagem que seriam da criança.
Versão Disney x Irmãos Grimm
Porém, as principais diferenças entre o conto da Disney e o dos Irmãos Grimm vêm após o descobrimento da mentira do caçador. O conto germânico descreve as obsessivas tentativas da Rainha Má de enganar Branca de Neve, por três vezes: fazendo-a experimentar um espartilho que, de tão apertado, a faz desmaiar, mas os anões a salvam; depois, a monarca vende à menina um pente envenenado que leva a bela adormecer; e, finalmente, dá à mocinha a célebre maçã envenenada da história da Disney, eternizada não apenas no filme, mas em vários livros e na memória popular desde o século XX.
Voltando ao conto original dos Irmãos Grimm: com o envenenamento, Branca de Neve desfalece e é considerada morta. Permanece deitada em um caixão de vidro, na casa dos sete anões, para preservar sua beleza ímpar. Beleza esta que é invejada pela Rainha Má, a qual odeia a criança pela beleza e graciosidade da pequena, a ponto de ter desejado comer suas vísceras e a ter, supostamente, matado envenenada. Lembrando que há versões do conto que apontam que a rainha era mãe da princesa Branca de Neve.
A seguir, a alva e bela garotinha é encontrada por um príncipe, que insiste em levar o cadáver para fora da casa dos sete anões. Os pequenos são obrigados a concordar: carregam-na, no esquife envidraçado, até que tropeçam. Então, a garota se move. E mais: cospe um pedaço da maçã entalado na garganta e, assim, revive. Sem nenhum beijo. Inclusive, algumas tradições da narrativa, anteriores aos Irmãos Grimm, indicam que a garota de sete anos é estuprada pelo príncipe na floresta, o que caracterizaria pedofilia.
Enfim, como no filme hollywoodiano, Branca de Neve se apaixona pelo príncipe e eles acabam por se casar. Sim, ela com sete anos de idade, apesar do fato de que, antigamente, as mulheres costumavam ser dadas em casamento muito, mas muito cedo, com menos de dez anos de idade, às vezes, pouco menos que seus "prometidos".
Mas a sordidez grimmeana não para por aí: no casamento, surge a Rainha Má. Os anões, inconformados, decidem punir a invejosa governante, com requintes de crueldade: literalmente, a malévola dançará até a morte. Nas palavras dos Irmãos Grimm:
"Eles colocafram um par de sapatos de ferro em brasas. Eles foram trazidos com pinças e colocados diante dela. Ela foi forçada a entrar nos sapatos quentes e dançar até cair morta".
Você contaria a versão de Branca de Neve dos Irmãos Grimm, na íntegra, para uma criança?
Ainda bem que a arte nem sempre imita a vida.
Especialmente em épocas mais remotas, em que o público infantil praticamente era desconsiderado, e atos de crueldade eram frequentes e extremos, em uma sociedade desprovida dos mínimos Direitos Humanos e calcada na "honra", ainda que "infame", e no "olho por olho, dente por dente". E, principalmente, na natureza humana, em versões mais animalescas - e menos domadas do ser humano. Inveja, o encanto e perigo (dualidade) da beleza e da nobreza, compaixão, maldade, amizade com diferentes, como os sete anões. Vingança. Tão inescrupulosa quanto o motivo que a despertou.
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