"Eu te deixo ser; deixa-me ser então": o grande problema das guerras no mundo

 

Imagem: Divulgação.

Nosso planeta sempre esteve em guerra, como as pessoas. Começou (mitologicamente para você ou não) com Caim matando seu irmão Abel por inveja, por querer ser quem ele era, alguém aceitável diante de Deus. Povos sempre disputaram por terras, não sem ganância, mas com patriotismo. Grupos sociais ideológicos sempre se digladiaram, mais à vista da sociedade ou menos. 

Hoje, temos Israel e Palestina, Rússia e Ucrânia, disputas como a da Síria, Iraque, Afeganistão, ditaduras narcotraficantes como as de Maduro e Ortega, ódio ou incompreensão do alheio nas redes sociais. Narcisismo e individualismo pandêmicos que nos dão pouca margem a alcançar a tão "famigerada" paz: mundial, social, pessoal. A natureza humana não é nada fácil, nem muito pacífica. As redes sociais abriram muitas jaulas, enquanto que deram voz a quem precisava ser ouvido.

Quem me conhece só um pouco, sabe que minha autora preferida de todos os tempos - junto a Agatha Christie, a Rainha do Crime, autora mais vendida de todos os tempos - é Clarice Lispector, nascida Chaya, na Ucrânia. Em seu livro Água Viva, que não pode, a priori, ser classificado em nenhum gênero literário (ou haverá controvérsias), Clarice diz algo que, a meu ver, todo mundo deveria dizer ou pensar: "Eu te deixo ser; deixa-me ser então". 

A maior parte das nossas guerras, interpessoais, sociais ou mundiais, e o ódio na Internet, é que não deixamos que o outro seja; ou então eles não nos deixam ser o que somos em raiz. Nossas opiniões, nossas particularidades, o que faz de nós o que somos. 

Quer dizer que devemos nos contentar com o que somos, "eu nasci assim, eu vou sempre assim", síndrome de Gabriela (da novela da Globo de Jorge Amado)? Não tentar mudar o que precisamos, o que nos aconselharem a fazer? Não, se o que somos for parte intrínseca de nós. Ideias e crenças podem mudar, mas não o que alguém é.  Aí entra, por outro lado, saber quem somos e até onde podemos ir em nós próprios. É claro que a busca para esta resposta dura uma vida inteira.

Eu sei: guerras sempre foram necessárias, até para proteger o que alguém é, o que um povo é, uma ideologia, de "invasores". Minha crítica concerne às desnecessárias guerras de ego, de discordâncias pessoais, com diplomacia insuficiente no âmbio mundial. Falo das guerras internas e externas que não têm razão de ser, porque exisem por não deixarem o outro ser o que, legitimamente, tem o direito de ser.

Conversar, sugerir, apontar supostos erros? Ok. Mas permitir que o outro faça suas escolhas. Ele é que vai arcar com as responsabilidades destas escolhas, para o bem e para o mal. 

Enfim, somos seres intolerantes. 

Ainda assim, deviam ser tempos de liberdade (não digo libertinagem): Pós-Modernidade, Direitos Humanos, reconhecimento de minorias e de idiossincrasias sociais e pessoais, como nos casos de pessoas autistas, com problemas psicológicos, psiquiátricos, diante de múltiplas identidades que podemos assumir (acopladas à nossa, caso já a tenhamos descoberto). Mas não há a esperada paz e compreensão da suposta liberdade atual (esperada, exceto, talvez em obras como "1984" de George Orwell, em que somos vigiados e coagidos pelo "Grande Irmão").

Não concordar com alguém não em de ser princípio de guerra, mesmo em uma conversa sobre um ex-BBB; política, religião e futebol, nem se fala. Melhor até evitar, às vezes. Difamação e calúnia são contra a Lei, desde que com provas convincentes, assim como violência física e verbal; mas a liberdade de expressão, ao mesmo tempo, está promulgada na nossa Constituição Federal, em especial em relação àqueles que são pagos pelo povo: os políticos e funcionários públicos.

Muitos de nós gritamos: "Me deixe ser!"; mas, antes disso, "cuspimos": "Você não pode ser! Isso faz de você uma pessoa estúpida". 

No entanto, cada um tem seu caminho; sua trajetória; seu aprendizado. Jamais proíba alguém, ou o trate desumanamente, porque ele(a) não pode ser (em uma sociedade que se pretende livre e igualitária, e, claro, mais uma vez, dentro da Lei). Se tentarem não lhe permitir ser (o que envolve não poder pensar), ignore. Não permitir e degradar alguém por ser quem é, ou estar como está, sem utilizar conselhos não coercitivos nem agressivos, é a semente mais vil e onipresente guerra.

Vivemos em um mundo cheio de pré-conceitos, sob uma capa de aceitação social "pós-moderna". A hipocrisia é uma das piores faces da guerra. E a incompreensão leva a altas taxas de suicídio e problemas emocionais e psiquiátricos.

O Brasil passa por uma forte turbulêncua: política e futebol, por exemplo, ambos supostamente inconfiávies (você confia?). Como é da nossa cultura exploratória e do "jeitinho brasileiro"; fazem muitos "perderem as estribeiras", mais do que nunca. Foram-se amizades, familiares, até a sanidade de algins. E perderem, principalmente, quem são.

Parece que estou ouvindo Clarice sussurrar, atrás de seus óculos retangulares de aros pretos, os grandes "olhos de peixe" me perscrutando: "Escuta: deixa-me ser; eu te deixo então". Posso não gostar, achar até absurdo, mas eu deixo você ser, e você me deixa ser. Livre-arbítrio, nosso maior dom após a vida.

Por fim, uma frase atribuída a Sigmund Freud, o Pai da Psicanálise: "Antes de diagnosticar a si mesmo com depressão ou baixa autoestima, primeiro tenha certeza de que você não está, de fato, cercado por idiotas". Não seja um deles. Limites, sim. Prisões, não. Nascemos para, livremente, amar e ser amados. Ser e deixar ser. Só Deus é dono de cada um de nós.  


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