A grande sombra do medo

 

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Em meu artigo anterior, intitulado “A grande sombra da morte”, tratei de questões existencialistas, as mais práticas que pude, sobre nosso destino maior e inevitável: a Morte.

Ao menos a morte física, a perda de nossos atributos materiais – por mais que você acredite que, no caso da reencarnação, um dia voltará ao plano dos que respiram, coisa em que, particularmente, não levo fé; tendo em vista minhas crenças cristãs que afirmam, por exemplo, segundo parábola do rico e de Lázaro, contada por Jesus Cristo, que não é possível voltar do “outro mundo” e, em outras partes, como no Livro dos Hebreus, que "a nós, humanos, só é permitido viver uma vez" (capítulo 9, versículo 27).

Calma, não é uma pregação evangélica! 

Até porque nem me considero religiosa, senão seguidora do caminho do Evangelho - o que muitos, sei, não entendem. Nada contra religião, há gente boa e ruim em todo lugar, embora aqueles que exploram a fé sejam cada vez mais comuns entre nós, e estejam cada vez mais distantes de Deus, por mais que julguem o oposto.

Hoje quero tratar de um assunto um pouco mais leve, mas ainda pesado – só quem já passou por isso sabe o que significa. Muitos acham “frescura” ou “coisa da cabeça”, mas não. É coisa que pode levar à internação, a sérios problemas psicológicos e até mesmo físicos, em detrimento do caos emocional repetitivo.

A respiração começa a faltar, às vezes, sem motivo algum. Formigamentos pelo corpo, mãos, pernas, pés. Tonturas. Suor frio. Enjoo. Às vezes, náuseas e vômitos, dores fortes no peito. Tudo gira, o corpo inteiro treme, algo terrível vai ocorrer, certamente a própria morte ou algo próximo disso, o que a sensação de desmaio iminente corrobora. A vontade é de sair correndo, gritar que está passando mal, morrendo, que não consegue respirar, implorar um hospital.

O que é bem comum: pessoas com ataques de pânico, o pico máximo de medo que acredito que um ser humano possa enfrentar, muitas vezes acabam parando em pronto-socorro. Pensam ser um enfarte, derrame, ou, em nossos dias, especialmente pela dor no peito e dificuldade para respirar, sintomas de Covid – avançada. Aí vêm a bateria de exames, coração, pulmão, nada aparece. O que resolve é uma injeção de tarja-preta na veia, um bom sedativo e uma prescrição de consulta a um psiquiatra e, talvez, um antidepressivo.

Não importa se você é durão, ou durona, se sempre foi forte, pode ser que um dia você simplesmente tenha um ataque de pânico. Ataques de pânico e de ansiedade vêm se tornando tão pandêmicos quanto o Covid, e há mais tempo, muito mais. São a correria dos nossos dias, o excesso de trabalho – burnout – e de concorrência, a preocupação exagerada, as incertezas, a falta de tempo, de fé, o ódio entre as pessoas, baixa autoestima, a vida difícil, mesmo que apenas por dentro de si mesmo. As aparências enganam...

Ataques de pânico podem ter inúmeros sintomas, alguns mais atenuados, chamados de ataques de ansiedade. O fato é que é difícil separar “ataque de pânico” de “ataque de ansiedade”, e até paradoxal, já que o pânico é um pico de ansiedade. Já passei algumas vezes por isso, e conheço vários famosos que relataram esse verdadeiro “inferno” na Terra.

Não são pessoas fracas, sensíveis demais, bobas, ao contrário: Gisele Bündchen (que disse ter pensado, em uma crise, em se atirar da sacada de seu apê em NY), Angélica, o padre Fábio de Melo e, mais recentemente, Felipe Neto, que alegou ter desistido de pegar um voo no aeroporto devido a um ataque de pânico que o fez pegar o carro e voltar para casa. Disse que não acontecia havia anos, pode ser sempre uma surpresa.

Crises de ansiedade e pânico são pandemias, ainda mais com a pandemia de Covid que estende um véu negro de medo sobre todos nós, atenuado pelas vacinas, mas sempre enegrecido pelas novas variantes que driblam a Ciência. As mortes voltaram a subir, a variante ômicron provocou uma nova onda, bastante resistente às vacinas. Embora já se comece a pensar em um fim daquela epidemia na cidade de Wuhan, lá na China, que deveria durar uns dois meses e cá estamos nós, desde o fim de 2019, quando surgiram os primeiros casos, duelando com o coronavírus e suas mutações, as piores a partir do Sars Cov-2.

Os milhões de mortos ou quase pelo mundo, além dos adoecidos, e o fato de sabermos, ou melhor, não sabermos quase nada das centenas de sequelas as mais estranhas possíveis – como perda de audição e olfato e intolerância a lactose. Há quem mal consiga caminhar e respirar, meses após uma infecção leve. Não existem garantias nem explicações.

Bem, voltando aos ataques de pânico: eles são muito comuns em quadros de depressão e outros problemas psiquiátricos, como ansiedade generalizada, e podem vir isoladamente, de tempos em tempos, sob pressão (como o estresse generalizado dos tempos atuais) ou sem motivo (consciente, ao menos); ou se tornarem frequentes, desencadeando a sôfrega síndrome do pânico, que exige tratamento terapêutico e, em boa parte dos casos, medicamentoso. 

A origem dos ataques de pânico e de ansiedade pode ser genética – pessoas da família já tinham, desde a infância, adolescência ou juventude – ou não. Pode haver gatilhos que desencadeiem crises, ainda que a pessoa não os perceba, como em quem foi abusado(a) sexualmente ou assaltado, motivo de bullying, a não aceitação da sexualidade, problemas financeiros e desequilíbrio emocional – que pioraram muito com o Covid.

É bom saber que, caso você sinta esses “ataques de morte”, como prefiro chamar, não está sozinho. E PRECISA PROCURAR AJUDA. Existem até telefones para conversar, ou, só para tirar a dúvida, pode recorrer a um posto de saúde. Afinal, os sintomas da ansiedade e do pânico podem se assemelhar aos de enfarte, derrame e Covid – adicionados a um medo inexplicável, por vezes a sensação de estar fora da realidade ou do próprio corpo, estar enlouquecendo. Como eu disse, só quem já passou sabe como é. Quer dizer, pode ser algo grave e físico, ou, mais difícil, algo emocional e físico ao mesmo tempo.

Por isso, é bom manter os exames em dia e manter uma vida saudável, física e mentalmente. Talvez seja necessário utilizar tarjas-pretas, mas seu uso indiscriminado provoca vício difícil de largar, e é medicamento a ser utilizado por curto espaço de tempo: apenas alguns dias ou poucos meses, até que tratamentos com antidepressivos e outros remédios ou apenas terapia surtam o efeito esperado, ou que os remédios ideais sejam encontrados – cada caso é um caso.

Costumo ter crises inesperadas de pânico na TPM, algumas vezes. É coisa hormonal, porque, desde que comecei a tomar antidepressivos, eles praticamente cessaram. Mais ainda com o exercício físico, que auxilia na produção de hormônios de bem-estar e felicidade. Tive de enfiar vários comprimidos de Rivotril na boca quando comecei a sentir o ar faltando, as mãos suando e aquele frio na barriga sem motivo, o coração batendo forte – já sei, lá vem ela, a crise. Em plena madrugada em que acordei, sem motivo aparente - provavelmente algo do subconsciente.

Jamais subestime uma pessoa com esse problema. Leve-a a um médico clínico para descartar problemas físicos, e, caso nada apareça nos exames – o que geralmente ocorre – vá a um bom psiquiatra, se necessário, faça terapia. Há terapeutas que atendem de graça em hospitais. Provavelmente, ao menos por um tempo, você vai precisar de medicação, ainda mais se estiver enfrentando uma fase difícil.

Não somos super-heróis. Não somos tão “empoderadas” e “machos dominantes” assim, e reconhecer nossas fraquezas é mérito e prevenção.

Lembra que falei que você pode se achar o mais durão, ou a mais durona, e ter um ataque de pânico? Recomendo os filmes “A máfia no divã” e “A máfia no divã 2”, com o icônico Robert De Niro. O que ocorre é que um autoritário e aparentemente inabalável chefão da máfia, a quem todos temem e obedecem a ele, passa a ter ataques de pânico e se vê refém obrigatório de um psiquiatra. É claro que, antes, pensa estar morrendo e vai parar no hospital. É uma comédia romântica leve, um tanto antiga, nos tempos em que esse mal ainda era ignorado, motivo de vergonha ou pouco conhecido.

São tempos difíceis para todos. Mesmo os que ignoram os tempos em que vivem.

Por isso, é importante que você mantenha sua autoestima, o cuidado com seu corpo, sua mente, evite estresses desnecessários e, eu recomendaria, tenha fé. Muita gente perdeu e continua perdendo muita coisa nesses sombrios tempos que parecem parte de um filme – que provavelmente será gravado – de ficção científica. Enquanto passamos a usar máscaras e a nos isolar, muitas "máscaras reais" caíram, pessoas revelam seu caráter na dor. Além disso, percebemos o quão isolados já estávamos uns dos outros, ou ao menos dos familiares e mais queridos – apenas não em uma tela de smartphone, que não substitui o olho no olho.

Perdi dois parentes por Covid, um no começo, e minha querida avó há poucos dias, a quem tanto hesitei em visitar, pensando que era mulher forte – e era – e sempre haveria um amanhã. Foi o que pensei ao me despedir da primeira vó que se foi, vendo-a com um “mate” na mão no portão de sua casa, sorrindo como sempre sorria, e depois logo ela morreu, no "logo volto aí pra um mate de leite". Ao menos houve velório, mas não pude vê-la ainda viva. Já para minha mais recente perda, o enterro teve de ser em no máximo 4 horas, e foi grande a correria para a enterrar na zona rural, ao lado de seus queridos, imigrantes alemães, apenas na presença de coveiros. Sim, ela estava vacinada, apenas não com a terceira dose, e apesar de que o Covid foi apenas um agravante para sua despedida.

Creio já ter escrito demais. Creio, por fim, que estamos enfrentando já aqueles tempos, segundo a Bíblia, em que as pessoas “desmaiarão de terror, apreensivo[a]s com o que estará sobrevindo ao mundo” (Evangelho de Lucas 21:26).

É hora de ficar mais forte. Mais uma vez vou citar a Bíblia, mesmo para quem não seja cristão, ou seja agnóstico, como fonte de sabedoria pragmática, experenciada, não apenas utópica. O apóstolo Paulo disse que “quando é fraco, aí é que é forte”, e que “o poder [de Deus] se aperfeiçoa na nossa fraqueza”. Disse-nos para orar sem cessar e ter fé. Seja qual for sua fé, não a deixe morrer, tampouco a presença entre seus queridos, conforme possível e tomando os devidos cuidados diante da pandemia. 

Perdoe, faça as pazes, mesmo se precisar de um tempo para resolver isso dentro de si. Não adianta da boca pra fora, cura de alma é cura de um estado físico grave. A vida nunca antes foi tanto apenas um sopro – que muitos não têm, nas UTIs dos hospitais lotados de Covid.

Como uma vez me ocorreu: seja forte, um dia vai ter valido a pena!

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